Durante toda a projeção de Três Anúncios Para um Crime, o diretor e roteirista Martin McDonagh parece caminhar por um perigoso terreno que poderia ter custado ao filme uma distinção própria, já que em muitos momentos a narrativa flerta com o drama policial cheio de subtextos sociais, como também com a total comédia de humor negro, assim correndo o risco de se tornar descaracterizado. Por talento do cineasta e das belíssimos atuações de seu elenco, todos os elementos presentes no filme ornam de uma maneira muito única e cheia de personalidade, tornando-o totalmente original e surpreendente.

Sendo ágil em já introduzir para o espectador os tais três anúncios totalmente abandonados logo nos primeiros planos do filme, posteriormente eles são notados por Mildred Hayes (McDormand), que compra os anúncios para exibir mensagens intimando o chefe de polícia Bill Willoughby (Harrelson) a encontrar o culpado pelo estupro e assassinato da filha de Mildred, ocorrido há sete meses, e assim trazendo grandes implicações para todos da região.

Hábil também em transparecer uma atmosfera de hostilidade e violência com artifícios simples, como a luz vermelha vinda dos anúncios que cobrem o policial Dixon (Rockwell) quando este as vê pela primeira vez ou quando a câmera acompanha uma agulha de injeção sendo jogada na parede e permanecendo na mancha de sangue formada, todas essas pequenas ações passam a constituir a atmosfera brutal da cidade de Ebbing (fictícia) e seus habitantes.

Justamente por ser uma cidade inventada no real estado de Missouri, McDonagh parece extrair uma áurea absurda e exageradamente violenta de seus personagens que a habitam, mas sem que caia no caricato, tanto pelo engenhoso roteiro quanto pela caracterização do elenco.

Investindo muito em situações dramáticas que são instigantes e sérias para todos os personagens ali, o roteiro sabe muito bem dar o peso necessário para que o investimento do espectador cresça. Não só pela grande tragédia que assombra Mildred, mas criando arcos para personagens como Willoughby e Dixon, que também são absolutamente trágicos e explicam suas personalidades corrompidas.

Corrompida talvez seja a palavra que define a moralidade de todos os personagens aqui. Ao contrário do que poderia se esperar de uma premissa como essa (uma mãe que perdeu uma filha), não vemos uma protagonista melancólica e em estado de luto, mas sim uma mulher disposta a ultrapassar leis e direitos (isso fica explícito na sugestão dada para Willoughby para que o sangue de todos os homens devem ser constar em um banco de dados para assim achar os culpados e estes serem mortos), com o intuito de expurgar sua raiva pelo sistema em qualquer coisa ou pessoa que seja e daí consiga algum conforto finalmente.

Mesmo se tratando de uma protagonista frequentemente agressiva e radical, isso nada mais é do que uma fachada da palpável dor que esta sente e que transparece em pequenos momentos, feito com maestria pela excepcional Frances McDormand. Quase sempre tratando com rispidez e dureza as pessoas ao seu redor, incluindo seu outro filho Robbie (Hedges), sua natureza triste e violenta pode ser notada até em seu figurino de cores sóbrias e escuras, demonstrando sua personalidade fechada.

Mas o grande atrativo que torna Mildred tão fascinante é sua vulnerabilidade, como quando ela precisa enfrentar um homem que está a ameaçando e este fala para ela como queria estar “transando com a filha dela enquanto morria”, McDormand estampa em uma questão de microssegundos uma expressão de profunda dor por ouvir aquilo, mas que rapidamente volta para sua face durona e desafiadora, algo que por si só já justifica todos os prêmios que McDormand vem recebendo nessa temporada.

Apresentando também um senso de justiça que é usado para validar o comentário social do filme acerca do racismo, como quando Mildred fala no noticiário que os policiais da cidade estão ocupados demais em resolver o caso de sua filha porque “estão torturando negros”, o grande contraponto da protagonista se trata do policial vivido também com bastante pungência por Sam Rockwell (outro que vem colecionando prêmios nessa temporada), Jason Dixon.

Sempre o retratando como o racista patético que é, Dixon é um alcoólatra estúpido que só consegue descrever as pessoas por características superficiais (como quando fala das duas pessoas que reclamaram dos anúncios, a “senhora do olho engraçado” e do “dentista gordo”), e que se pudesse encarregaria todos os problemas para sua mãe, com quem divide a casa (ele até mesmo cogita que ela vá até a delegacia para conversar com seus superiores).

Mesmo se tratando de uma das figuras mais repulsivas que lembro de ter visto no cinema recentemente, Rockwell também faz um pequeno milagre ao saber dar a dúvida se a intolerância de seu personagem na realidade é fruto de sua completa falta de inteligência do que apenas de puro mau-caratismo (que também não deixa de ser, claro), assim construindo um arco próprio muito bem estipulado pelo roteiro e dando de certa forma uma redenção a ele no ato final.

Fechando o trio principal de personagens, Woody Harrelson também esbanja talento ao conseguir que seu Bill Willoughby escape do estereótipo do chefe de polícia sisudo e negligente, fazendo-o com que seja um homem que parece ser assombrado por não conseguir resolver aquele caso e aquilo o afetar muito mais do que admite e apresentar também uma fragilidade que poucas vezes vemos em personagens desse tipo.

Assim, o que esses três personagens parecem dividir é justamente um constante descontentamento com a vida que levam, os fazendo agir dessa maneira destrutiva. Acaba não sendo absolutamente pesado e denso por conta das boas doses de humor que McDonagh injeta no roteiro, conseguindo criar situações que ou são um misto de trágico e cômico (como quando um personagem cospe sangue no rosto de outro acidentalmente) ou apenas de jocosidade (como as cenas que envolvem a jovem namorada do ex-marido de Mildred).

Também escapando de clichês que facilmente tornariam a obra mais melodramática, como o único flashback trazendo a filha de Mildred ser um momento em que as duas brigam e trocam ofensas, e justamente pelo que é dito entre elas causar mais agonia a protagonista, McDonagh ainda implementa de forma calculada algumas situações cômicas que, surpreendentemente, se revelarão importantes na trama, como a que envolve James, interpretado com o carisma costumeiro de Peter Dinklage.

Como diretor, McDonagh também compreende bem o universo que cria, ao não ter parcimônia em acompanhar Dixon, em um longo plano-sequência, cometendo um ato totalmente repugnante e violento, ou ao mostrar um telefonema entre dois personagens, uma estar em uma externa, ao ar livre, ambicionando uma liberdade que não parece encontrar, enquanto outro em uma interna, num quarto escuro e fechado, refletindo seu estado de espírito sujo e depravado.

Sendo suficientemente talentoso a ponto de fazer com que sua história absurda traga bastante sobriedade e reflexos sobre a sociedade atual (como ao trazer Dixon fazendo uma pergunta que corresponde aos que pensam existirem “racismo reverso”), Três Anúncios Para um Crime também se encerra com um curioso final, que facilmente desagradará uma parcela do público, mas é apropriado ao sintetizar que aqueles indivíduos cheios de traumas e rancor só poderão encontrar algum tipo de conforto com uma ação imediatista e brutal, que talvez traga algum tipo de paz a eles instantaneamente, mas jamais removerá seus profundos sofrimentos.

Três Anúncios Para um Crime

Ano: 2017
Direção: Martin McDonagh
Roteiro: Martin McDonagh
Elenco principal: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, John Hawkes, Peter Dinklage, Abbie Cornish, Lucas Hedges
Gênero: ​Policial, Drama
Nacionalidade: EUA, Reino Unido

Avaliação Geral: