Tramas de amadurecimento são comuns no cinema por, na maioria das vezes, garantirem a empatia do público. Isso porque as aventuras do descobrimento da vida adulta agradam tanto os jovens, que se espelham nos personagens em formação, quanto os mais experientes, que relembram sua própria jornada. Após o sucesso recente de filmes como Me Chame Pelo seu Nome e Lady Bird, exemplos de produções coming of age que brilharam no Oscar, chega agora aos cinemas Friday’s Child.
No longa, dirigido por A. J. Edwards, acompanhamos a história de Richie (Tye Sheridan), um jovem pobre e órfão que acaba de sair do sistema de assistência social dos EUA. No auge dos seus 18 anos, ele precisa cuidar de si mesmo e trabalha em dois turnos para conseguir pagar o aluguel de um pequeno apartamento localizado em uma vizinhança perigosa. Diferente de outras produções, o processo de amadurecimento do protagonista não é nada glamurizado. De maneira realista a trama nos mostra situações típicas vividas nesse período e que acabam por moldar o caráter do jovem.
Entretanto, a realidade dura em que o garoto vive acaba empurrando-o para atividades ilegais. As longas horas de trabalho mal remuneradas aliadas à estranha amizade construída com Swim (Caleb Landry Jones) são o suficiente para sua iniciação no mundo do crime. Ao mesmo tempo, ele conhece Joan (Imogen Poots), que rapidamente desponta como seu interesse amoroso. Nesse triângulo é curioso notar como cada personagem influencia o outro, situação comum nessa fase da vida. Com Swim, Richie libera seu lado delinquente e comete pequenos delitos, mesmo contra sua vontade. Junto a Joan, que vive um período de luto, ele incorpora o papel de protetor, auxiliando-a e lhe servido de companhia.
Na tela, vários desses momentos catárticos da jovem vida adulta são mostrados de forma visual e com poucos diálogos. Mesmo assim, as longas cenas em que os personagens não falam são extremamente emocionais e o público se mantém concentrado na história. Colabora para isso o bom tratamento dado ao roteiro, que consegue desenvolver com eficiência a trama de formação.
Outro fator que se destaca é a montagem. A princípio ela apresenta grandes saltos temporais entre uma cena e outra, chegando a diminuir a importância de eventos cruciais da história. Porém, à medida que o filme avança, vemos que não existem pontas soltas e que todas as questões levantadas no começo ganham força no final, se entrelaçando e formando uma rede de ações e consequências estimulante.
Vale ressaltar que as escolhas de A. J. Edwards quanto ao uso de câmera e a direção de fotografia são os elementos narrativos que mais se destacam em Friday’s Child. O filme é rodado na maior parte do tempo com uma razão de aspecto quadrada, obrigando seus personagens a ficarem próximos uns dos outros e denotando como eles se sentem oprimidos pela situação em que vivem. No momento em que Richie e Joan fogem de suas dificuldades, a película ganha o formato widescreen para exaltar a liberdade que pulsa em seus corações.
Quanto à câmera, esta se mostra parada no começo, num estilo inspiradamente documental. Porém, à medida em que o protagonista passa a morar sozinho e viver experiências estimulantes, esta se torna inquieta e subjetiva, por vezes mostrando sua instabilidade emocional. A todo momento ela se mantém próxima do rosto dos atores e capta as micro expressões que auxiliam a formar o cerne dos personagens. Já os enquadramentos capricham nos contra-plongées e revelam os momentos de crescimento de Richie.
Aliada a tais movimentos, está uma fotografia estonteante. Com uma profundidade de campo ampla, o título é repleto de oposições entre paisagens urbanas e naturais que estão sempre envolvendo os personagens. Em todas as situações, o elemento que se destaca é o céu. Ele derrama um forte tom de azul sobre a história, cor que também está presente nas roupas de Richie e Joan, simbolizando sua dificuldade de lidar com os sentimentos.
Porém, ainda que eficiente em vários aspectos, o filme não é irretocável. Existe ali no meio da trama um flashback super expositivo que apresenta respostas muito didáticas. Tal elemento quebra com o estilo mais introspectivo do longa e fica um pouco fora de contexto. Mesmo assim Friday’s Child se mostra uma produção estimulante e acrescenta uma interpretação mais indie e verdadeira sobre a entrada na fase adulta. Com isso, esse período tão conturbado e curioso da vida se mantém sob os holofotes e prova que ainda tem muito a contribuir para o cinema.
* Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.