O Brasil parece ser o eterno país da promessa. Em todo ciclo eleitoral vamos às urnas na esperança de que algo diferente aconteça, que daquela vez os políticos tenham alguma consideração com o povo. A cada 30 anos mais ou menos, um líder messiânico se apresenta como salvador da nação e, outsider da política, promete a melhora instantânea da vida e a quebra do establishment. Obviamente, as consequências são desastrosas. Para comprovar basta apenas se manter informado. A impressão é que o Brasil vive num constante movimento pendular: quando as coisas enfim começam a melhorar, metemos os pés pelas mãos e mergulhamos numa espiral de destruição e retrocesso. E é um desses momentos históricos que assistimos em Homem Onça, filme dirigido por Vinícius Reis.

Ambientado em 1997, o título nos apresenta a Pedro (Chico Diaz), um funcionário que trabalha há 25 anos na estatal Gás do Brasil. No auge da era das privatizações vemos como o personagem é obrigado a demitir sua equipe e antecipar a aposentadoria. Sem trabalho, Pedro vai morar em sua pequena cidade natal e lá tem um reencontro com histórias do passado. Logo no início, assistimos o conhecido discurso neoliberal de que as privatizações são benéficas para o país e para o povo, vetores de mudança que sinalizam um futuro melhor. Porém, com o distanciamento histórico que temos hoje, experimentamos um amargor na boca por saber o vazio daquelas promessas.

Esse desencanto é alimentado pelos belas palavras dos investidores norte-americanos, que, ao adquirirem a Gás do Brasil, a transformam na Gás Brax. A língua inglesa, inclusive, aparece em Homen Onça como uma barreira para Pedro. Por não dominar o idioma, o protagonista é excluído de situações importantes, seja no trabalho, quando não entende as piadas dos funcionários, seja em casa, quando a nova companheira conta histórias em inglês ao filho. Em contraste, a música popular brasileira, cantada em bom português, soa como um bálsamo para a alma de Pedro e surge para lembrar o potencial do nosso país, que muito promete, mas pouco entrega. De carona, as belezas naturais do Rio de Janeiro são competentemente fotografadas e figuram como lembrete do que está em risco, já que a destruição ambiental segue firme por aqui.

Organizado em dois momentos temporais, Homem Onça oferece ao público um jogo de interpretação cronológica da história, o que nos mantém investidos emocionalmente até o fim.  A direção de fotografia serve como ponte entre ambos os tempos, ao mostrar Pedro sempre oprimido pela câmera, ocupando espaços reduzidos nos cantos do quadro ou mesmo separado dos outros personagens por elementos de cena. Ele está só, no passado e no futuro, o que nos leva a refletir sobre o momento em que vive.

Pedro é um protagonista que luta contra mudanças. Ele resiste em sair do emprego, em se aposentar, em começar um novo negócio ao lado da mulher. Sua teimosia aos poucos vai se tornando um desejo obsessivo para que as coisas não se transformem.  Também pudera, sair do emprego, para Pedro, é perder parte de sua identidade, significa ter que reconfigurar a vida contra a própria vontade. Para lidar com essa mudança compulsória, o personagem abusa progressivamente de bebidas alcóolicas e se entrega à desilusão. Do garboso superintendente ambiental que conhecemos no início do filme, Pedro vai se desmontando e se torna um bêbado de rua qualquer.

Essa queda, anunciada pelos saltos temporais, acaba por destruir as relações pessoais mais significativas da vida de Pedro, algo mostrado com muita elegância por Vinícius Reis. Sem o emprego e o status que a ocupação lhe garantia, o agora ex-superintendente não enxerga um futuro. Diante dessa imobilidade, vemos o protagonista aos poucos se tornar o Homem Onça do título. Não, não existe uma transformação mágica de Pedro em uma onça. Ele até tem vitiligo, agravado pelo abuso de álcool, mas o ponto não é esse. Pedro, assim com a onça-pintada que ilustra as notas de R$50,00, sofre o risco de extinção. Sua existência é ameaçada pelo próprio Brasil que, ao imaginar uma realidade melhor para si mesmo, se dá ao luxo de vender suas riquezas, assassinar seu povo e destruir suas terras, sem nunca colher frutos nem passar de uma promessa.

Essa crítica faz parte da cobertura do Cinemascope da 49ª Edição do Festival de Cinema de Gramado.

Homem Onça

 

Ano: 2021
Direção: Vinícius Reis
Roteiro: Vinícius Reis
Elenco principal: Chico Diaz, Silvia Buarque, Emílio de Mello, Bianca Byington, Valentina Herszage, Álamo Facó e Dani Ornellas
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: 4