O universo cinematográfico da DC parece estar, aos poucos, se encaixando nos trilhos. Dando seu pontapé inicial com o apenas ok O Homem de Aço, o estúdio acabou se vendo obrigado a já expandir tal universo, nos apresentando a velhos/novos personagens como Batman e Mulher Maravilha e assim tornando Batman V Superman: A Origem da Justiça em uma tremenda bagunça. Depois, nos ofenderam com o pavorosíssimo Esquadrão Suicida, que facilmente entra na coleção de piores filmes de super-heróis já feitos e, finalmente, acertando com o ótimo Mulher Maravilha.
O que nos traz a esse Liga da Justiça, para o qual os anteriores nos prepararam e que une os heróis principais da DC, agora apresentando de forma mais aprofundada personagens como Flash, Aquaman e Cyborg. Apesar dos tropeços aqui e acolá, o resultado final acaba sendo satisfatório.
Iniciando logo após os eventos de Batman V Superman, depois da morte de Superman e o mundo em luto, criaturas alienígenas passam a invadir o planeta, orientados pelo vilão Lobo da Estepe (que nomezinho), cujos interesses estão nas chamadas Caixas Maternas (os nomes realmente não são dos melhores), que dariam a ele um poder absoluto. Com a Terra correndo esse grave risco, Bruce Wayne/Batman (Affleck) e Diana Prince/Mulher Maravilha (Gadot) vão atrás de outras pessoas com superpoderes, como Aquaman (Momoa), Cyborg (Fisher) e Flash (Miller) para formarem um grupo de super-heróis e salvar o mundo.
Sim, uma premissa absolutamente batida e previsível, mas o que mais poderia se esperar? Afinal, no cinema, o que realmente importa é a maneira de como se conta uma história e não necessariamente ela em si, e o filme até sobressai desse lugar-comum, nos compensando com personagens que conseguem transmitir carisma e afinidade.
Novamente dirigido por Zack Snyder (não integralmente, já que depois de uma triste tragédia familiar, deixou o comando de algumas refilmagens e pós-produção para Joss Whedon), Liga da Justiça já se inicia de maneira interessante, ao mostrar um flashback de uma filmagem de celular na vertical feita por algumas crianças que fazem perguntas para Superman. Nele, se estabelece uma certa aproximação daquele personagem com o mundo real, trazendo à tona a natureza altruísta e bondosa do personagem com um gesto simples, como ao estampar um leve sorriso com as perguntas das crianças.
Sabendo ser sutil em alguns momentos, como quando recapitula a morte Superman com um jornal que forra uma gaiola de pombas, e bastante óbvio em outros, como a aparição da Mulher Maravilha em cima de uma estátua de Têmis, o roteiro escrito por Chris Terrio e Whedon (que contribuiu no roteiro após sua entrada no projeto) parece conter algumas incongruências na natureza do seu universo. Como pode um mundo que venera um ser alienígena com superpoderes, zombar em um telejornal de uma mulher que diz que seu marido foi capturado por seres extraterrestres?
Outro elemento que os filmes da DC parecem empregar de maneira tímida, talvez para evitar comparações com os da Marvel, é o humor. Funcionando de forma orgânica em alguns momentos (geralmente envolvendo Flash) e soando inarmônico em outros (quando Batman faz comentários engraçadinhos), e até trazendo um humor mais sutil (uma manchete de jornal intitulada “Eles voltaram para seu planeta natal?” trazendo as fotos de David Bowie, Prince e Superman), Liga da Justiça dosa a atmosfera mais pesada e séria dos filmes anteriores também ao tornar a fotografia mais colorida, não lembrando as imagens lavadas dos outros filmes.
Só com esse ajuste de cores, a obra se torna bem mais agradável de se ver, trazendo até mesmo uma fotografia em tom quase sépia nas cenas que envolvem Lois Lane e Superman, embora ainda não se beneficie de sequências de ação tão bem orquestradas, abusando de slow motion (característico de Snyder) e uma confusão geográfica ao mostrar vários personagens lutando (característico de Whedon), proporcionando um desarranjo caótico, embora saiba imprimir bons momentos, como aqueles em que Flash corre (sem parecer uma mera reprodução das memoráveis cenas do Mercúrio em X-Men).
Mas uma das coisas que Liga da Justiça contorna muito bem, e que poderia ser um fator prejudicial se deve aos seus personagens e personalidades. Obviamente, sem se aprofundar tanto, já que precisa se concentrar em seis personagens diferentes, mas com o pouco espaço de tempo, define bem as características de seus personagens e seus dramas (que são um tanto clichê, ok, mas ainda assim os aprofunda um pouco), sem torná-los em um bando de pessoas determinadas pelos seus poderes (como acontece fatalmente com Esquadrão Suicida).
Ezra Miller dá jovialidade e energia para um Flash que parece se encantar com tudo ao seu redor e cheio de inseguranças e anseios, Jason Momoa, geralmente inexpressivo em outros projetos, consegue dar a Aquaman um tom de virilidade e rebeldia, enquanto Ray Fisher faz de Cyborg a figura mais trágica e sisuda dentre todos, mas não menos interessante. Ben Affleck continua eficiente ao trazer um Batman mais velho e frio e Gal Gadot, que mesmo com suas limitações como atriz, faz de Mulher Maravilha uma mulher destemida e corajosa, já Henry Cavill volta a tornar Superman em uma figura quase divina e digna.
Tão importante quanto os personagens funcionarem individualmente, a dinâmica entre eles é bem divertida e condizente. É engraçado ver as reações de Wayne com os comentários ingênuos e espirituosos de Flash, ou mesmo crível a dramaticidade em uma discussão entre Wayne e Diana, onde coisas muito dolorosas são ditas entre eles. Porém, a ação de Diana após um comentário estúpido de Aquaman é ótima.
Não se trata de personagens absolutamente complexos e profundos, embora o roteiro dê alguns passos para isso, como quando Wayne fala para Alfred que “Superman era mais humano do que eu”, revelando muito a natureza de seu personagem, mas não explorando mais do que isso. Mas, ainda assim, são personagens e dinâmicas funcionais para a trama.
Enquanto atores de peso como Amy Adams, J.K. Simmons, Jeremy Irons e Billy Crudup tem pouco tempo de tela para fazerem algo, o que o filme tem de heróis carismáticos, tem de ruindade de vilão. No sentido de desenvolvimento e motivações. Lobo de Estepe, interpretado por Ciáran Hinds, irreconhecível pelos efeitos digitais, é um personagem absolutamente ridículo, um protótipo do que é mais clichê em vilões em histórias: uma voz grave e que o tempo todo tenta impor ameaça, a motivação escrachada de “quero poder” e ainda em um efeito digital fraco, junto dos seus artificiais aliados insetos. Só não é mais inferior que a vilã feita por Cara Delevigne em Esquadrão Suicida.
Tendo uma estrutura mais disciplinada do que Batman V Superman, articulando bem cada um dos personagens e suas viradas, o roteiro até tenta fazer algo curioso, que é focar numa única família, cuja casa está presa num tipo de redoma do vilão, que tenta se proteger até finalmente fugir, mas o vácuo de suas personagens não torna tais sequências tão eficientes.
Se encerrando de maneira previsível, mas eficaz e obviamente prometendo próximos filmes, Liga da Justiça ainda não se trata do grande filme do universo DC (o tempo dirá se é Mulher Maravilha, veremos), mas nos concede heróis cativantes que tem potência para gerar filmes promissores. Por enquanto, este se trata de um filme competente e divertido.