Entre as estreias de setembro de 2018 estava a animação Pé Pequeno uma animação da Warner, que trazia um grupo de Yetis, um deles determinado a provar a existência de seres humanos; doze meses mais tarde, o estúdio Dreamworks levava aos cinemas a animação Abominável onde três jovens ajudam um Yeti a voltar para a sua família; e dois meses depois os cinemas exibiam Link Perdido, pelo estúdio Laika. Será que estamos testemunhando a moda dos filmes de Pé Grande/Yeti? Estaria a Disney preparando seu filme de Pé Grande para competir com estes?

Neste filme, o aventureiro Sir Lionel Frost recebe em sua correspondência uma possível evidência do Pé Grande. Chegando ao local especificado, Sir Lionel descobre que o próprio ser lendário o recrutara, lhe pedindo ajuda para chegar ao Himalaia, em busca de outros como ele, os Yeti. Ele aceita a proposta, na esperança de que isso o inclua num grupo de aventureiros respeitados, e para cumprir seu objetivo precisa de um mapa, em posse da viúva de um antigo amigo, Adelina Fortnight, que se une a ele nesta missão.

Uma das primeiras coisas que se destaca dos demais filmes de Pé Grande desta temporada é a idade do personagem principal, ao contrário dos outros mencionados, os humanos protagonistas são vividos por pessoas na flor da idade, já Sir Lionel é um adulto na casa dos trinta anos, o que permite coloca-lo em situações onde uma criança não se encaixaria, como uma briga de bar, troca de tiros, luta corporal, e o diretor e roteirista Chris Butler abraça todas as possibilidades, não se limitando apenas a cenas de ação para conferir maturidade ao seu filme, mas ao criar um personagem de caráter questionável, Sir Lionel quer ajudar o Pé Grande não por altruísmo, mas como uma forma de entrar para um grupo de aventureiros ricaços.

Após assistir a esse filme, me lembrei de um personagem de outro filme que traça um caminho parecido, e acaba se tornando um vilão, Charles Muntz de Up (2009), que dedicou sua vida para encontrar um animal lendário para limpar sua reputação, mas o que difere Sir Lionel dos outros membros do Clube dos Optimatas e de Charles Muntz é o seu carisma, suas ações, mesmo que egocêntricas e desonestas não têm o intuito de prejudicar outrem, apenas favorecer a si mesmo e manter seu status de playboy excêntrico, há uma piada envolvendo Sir Lionel em escândalos sexuais que revelam essa vida boêmia do personagem, ele apenas quer viver.

E por falar em escândalos sexuais, há uma tensão sexual entre ele e Adelina presente durante o filme, nunca se concretizando, o que evidencia o fato de que ele não é um homem para casar. E por falar em Adelina, eis aqui outra personagem muito bem trabalhada, pega na arma quando necessário (não é uma piadinha maliciosa, ela literalmente dispara contra seus agressores). Existe um termo em inglês “dumbass in distress” usado entre os cinéfilos para caracterizar personagens cujo único propósito é serem salvas pelo protagonista, ou mulheres que se mostram independentes, lutadoras, mas quando mantidas reféns se tornam indefesas, Adelina não se encaixa nesta categoria, e acima de tudo ela traz outra qualidade: ela é madura emocionalmente, é o seu discurso que faz com que Sir Lionel perceba que está sendo egoísta e não se importa com os sentimentos de Link, e é a sua maturidade que faz com que ela resista às investidas do galanteador.

Já que o mencionamos, Link é o personagem título, um Pé Grande dotado de inteligência – não questione, se o monstro de Frankenstein aprendeu a ler por conta própria, por que um Pé Grande não conseguiria? – ele é o único personagem desconexo nesta aventura, o elemento fantástico num mundo realista, porém isso não é o suficiente para enfraquecer o filme, afinal Link é outro personagem carismático, ingênuo, porém inteligente o suficiente para compreender a situação em que se encontra sendo o último de sua espécie. O fato de ele ser desconexo da realidade só aumenta a necessidade de leva-lo ao paraíso idílico de Shangri-La. O filme constrói o mito desta cidade, nos cria uma ansiedade em conhecer o lugar, mas sua representação não supera as expectativas, talvez este seja o ponto mais fraco do filme, mas novamente está longe de deixa-lo ruim, a obra prende nossa atenção porque queremos acompanhar a jornada desses personagens porque eles nos cativam, e a técnica utilizada é um espetáculo à parte.

Link Perdido foi desenvolvido pela Laika, estúdio responsável por Coraline (2009), ParaNorman (2012), Os Boxtrolls (2014), e Kubo e as Cordas Mágicas (2016), e como de costume utiliza a técnica da animação stop-motion, que consiste em fotografar bonecos, movê-los alguns milímetros, fotografar novamente, e repetir o processo milhões de vezes. Se em Coraline a técnica já era impressionante, Link Perdido dá dez passos à frente, por vezes me perguntei se a animação extremamente fluida não foi realizada por computação gráfica, a resposta você confere durante os créditos finais, onde os mágicos revelam seus truques. Um ponto positivo do stop-motion que dificilmente é alcançado nas animações 3D é a capacidade de sentir o volume, a massa, e o peso dos personagens, quando Sir Lionel soca alguém ou leva um soco, você sente a força sendo aplicada, enquanto nas animações computadorizadas, por mais bem feitas que sejam, sentimos que se trata de objetos inanimados, ocos.

Chris Butler dirige este filme de forma competente, numa animação é preciso ser o mais sucinto possível, é preferível que a mise-en-scène nos diga algo sobre a história, por exemplo, quando o personagem Willard Stenk é revelado, vemos uma cicatriz na sua cabeça, e logo em seguida ele retira uma faca que estava fincada na imagem de um urso, nos dando a entender que um urso foi responsável pela cicatriz, essa é uma leitura simples, porém Chris Butler deixa a cena mais interessante quando a sombra projetada na parede é maior do que ele (o personagem já é nanico), e está inclinada sobre ele, como se sua própria sombra o oprimisse. Há outros momentos em que o diretor manipula a sombra a seu favor, quando o personagem Lord Piggot-Dunceb atravessa um corredor e todas as velas se apagam enquanto ele passa, deixando o ambiente cada vez mais escuro, aqui o diretor está usando sua obra para abordar um assunto pertinente nos dias atuais, o obscurantismo. Link Perdido se passa ao final do século XIX, a julgar pelo plano que mostra a construção da Estátua da Liberdade, nesta época A Origem das Espécies de Charles Darwin já havia sido publicada, e já era alvo de críticas negacionistas como o próprio Lord Piggot-Dunceb que em determinado momento diz “somos descendentes de grandes homens, não grandes macacos!”.

Embora os outros filmes de temática parecida que mencionei no início tenham prejudicado o marketing de Link Perdido, o mesmo será lembrado anos mais tarde pelo seu conteúdo, técnica, e pela diversão que proporciona, enquanto os outros têm grandes chances de serem ofuscados pela falta desses atributos.

Link Perdido

O Link Perdido ( The Missing Link)

Ano: 2019
Direção: Chris Butler
Roteiro: Chris Butler
Elenco principal: Hugh Jackman, Zoe Saldana, Zach Galifianakis, Stephen Fry, Timothy Olyphant
Gênero: Animação
Nacionalidade: Estados Unidos

Avaliação Geral: 4,5