Por Joyce Pais
Garganta Profunda (Deep Throat) é uma das maiores bilheterias da história do cinema pornô. Com US$ 600 milhões arrecadados ao redor do mundo, o filme se tornou um cult do gênero e foi responsável por modificar a cultura sexual nos Estados Unidos na década de 1970, fazendo com que o cinema pornô fosse encarado como uma forma legítima de entretenimento, saindo dos guetos, para entrar de forma avassaladora na sociedade. O filme, de 1972, conta a história de Linda Lovelace, uma mulher infeliz que nunca conseguiu ter um orgasmo. Ao se consultar com o Dr. Young, descobre que seu clitóris está no fundo de sua garganta, a partir daí ela sai em busca de um homem que seja capaz de fazê-la gozar como sempre sonhou.
Quando estrelou o filme pornô, Linda Lovelace (que antes se chamava Linda Boreman) tinha apenas 23 anos. Influenciada pelo conturbado relacionamento com os pais religiosos e extremamente conservadores, ela se entregou a uma nova vida ao lado de Chuck Traynor, responsável por inseri-la no mundo do cinema adulto. Não é nenhuma surpresa que sua trajetória tenha despertado o interesse em transformá-la em enredo para uma cinebiografia.
Protagonizado por Amanda Seyfried, o filme optou por uma montagem muito interessante e eficaz ao mostrar os fatos/cenas mais de uma vez por diversos pontos de vista, relativizando – os e mostrando que, na verdade, tudo depende de como você enxerga alguma situação e depende da forma na qual está inserido naquele contexto. A aparente fragilidade física de Seyfried contribui na composição de sua personagem, na medida em que era manipulada emocional e psicologicamente por seu marido e empresário Chuck Traynor (Peter Sarsgaard) e que acompanhamos sua decadência. De qualquer forma, é valido ver Amanda Seyfried apostar em papéis mais ousados.
Com um pequena participação de um James Franco caricato e pouco convincente no papel de Hugh Hefner (quem tiver interesse pela história do criador da Playboy, indico o livro A Mulher do Próximo do jornalista Gay Talese), o longa faz uma reconstrução meticulosa de época, que envolve trajes, gestos, músicas, carros, programas de tevê e etc. Sharon Stone vale o comentário, já que surge quase irreconhecível na pele da intransigente e fervorosa mãe de Linda. Chloë Sevigny faz uma pequena ponta no longa como uma jornalista feminista e Wes Bentley como o fotógrafo que fez as icônicas imagens de divulgação do filme. Adam Brody interpreta Harry Reems, coprotagonista de Linda em Garganta Profunda (se alguém der um google e ver o trecho do filme em que o Doutor examina a garganta de Linda notará uma semelhança impressionante com atuação de Brody nesta cena em específico).
Após o divórcio com Chuck Traynor, Linda saiu da indústria pornográfica e se engajou na luta contra a pornografia e a exploração sexual, se tornando um símbolo feminista. Em 1980, lançou o livro Provação (Our deal) no qual contou abertamente que foi vítima de violência, violações, prostituição e pornografia; sua obra e um depoimento ao Congresso auxiliaram na investigação de irregularidades na indústria pornográfica. Ela morreu em 2002, por complicações decorrentes de um acidente de carro. Com uma boa história em mãos, o filme pecou por não atribuir a carga dramática que a própria realidade dos fatos pedia. Lovelace foi incapaz de sair da superfície.