Por Felipe Teixeira

Drama racial Loving emociona e vai brigar por Oscar

“Isto não é correto”. A frase mais repetida ao longo das cerca de duas horas de duração de Loving reflete o que certamente passará na cabeça dos espectadores diante de uma trama tão absurda e, infelizmente, verídica. Baseado na história do primeiro casal interracial oficialmente reconhecidos pelos EUA, Richard (Joel Edgerton) e Mildred Loving (Ruth Negga), na década de 1960, o filme relata como marido e mulher foram condenados a sair de seu estado por 25 anos após o governo da Virgínia descobrir que um homem branco e uma mulher negra haviam se casado. Com risco de serem presos caso retornassem a suas casas, Richard e Mildred se mudam para Washington e criam seus filhos longe de tudo o que amam, até que o caso finalmente começa a ser investigado por advogados progressistas e acaba na Suprema Corte em um momento marcante do direito civil americano.

Em inúmeros trechos da projeção, o casal protagonista é informado pelas autoridades sobre o motivo pelo qual estão sendo punidos, e a calma e indignação contida com que eles ouvem tamanhas bobagens é um exemplo simples, mas eficiente, de como o racismo era impregnado na sociedade estadunidense na metade do século XX. O roteiro de Jeff Nichols (O Abrigo), que também dirige o filme, apresenta discursos envolvendo a “Lei de Deus” e o “Bem Comum” que são falados com frequência para convencer os Loving de que o que estão fazendo é errado, e a convicção de policiais e juízes ao proclamar suas sentenças torna o filme ainda mais perturbador.

E são principalmente nestes momentos que as atuações brilhantes da dupla formada por Joel e Ruth se destaca: Edgerton não se entrega a maneirismos comuns de um personagem do interior, e constrói um homem simples, de expressão séria, que evita os olhares de outras pessoas. Em determina cena em que seu personagem acha que um carro se aproximando de sua casa é um sinal de perigo para sua família, o ator mostra uma preocupação tão verdadeira que convence ao espectador de como sua família é tudo o que importa para ele. Mas é sua esposa, Mildred, interpretada com serenidade por Negga, quem realmente rouba a cena do filme: apesar de abalada, ela é determinada e insiste em lutar por seus direitos mesmo em desacordo com o marido, e o modo como ela se posiciona na frente de Richard em muitos planos demonstra seu imenso valor nas decisões do casal, algo pouco usual naquela época.

Com belas paisagens e um caprichado design de produção, percebe-se que um dos maiores cuidados de Nichols no longa-metragem é não tentar comover o público a qualquer momento: a trama apresentada já é extremamente sensível e dolorosa. Por isso, é louvável perceber como a trilha sonora de David Wingo não eleva o som dos instrumentos durante importantes cenas de desfechos de situações, algo que certamente ajudaria a tornar o filme mais comercial, mas prejudicaria sua qualidade artística. Do mesmo modo, o íntimo, mas excelente clímax do filme é certeiro em apresentar a resolução da história por meio de rápidas cenas que emocionam não por exageros musicais ou por longos planos envolvendo a repercussão do caso, mas porque descobrimos o satisfatório desfecho da cruel trajetória dos Loving.

O triste é perceber como após tantos anos de luta e tantos avanços sobre a questão racial, o preconceito contra negros e minorias ainda precisa ser tão discutido nos dias de hoje, e de como até mesmo figuras políticas locais e mundias insistem em parecer querer perpetuar tamanha injustiça. Felizmente, assim como os recentes 12 Anos de Escravidão e Selma, Loving mostra como o cinema pode se tornar uma fundamental ferramenta de combate a esse problema. Como diz um certo personagem perto do final do filme: “qual o mal que um casal de raças diferentes pode causar ao mundo?”. Aclamado em Cannes e cotado para o Oscar, é provável que esta excelente e relevante produção concorra a muitos prêmios e ajude a conscientizar ainda mais espectadores de que somos todos iguais.

loving4

Loving

Ano: 2016

Direção: Jeff Nichols

Elenco: Joel Edgerton, Ruth Negga, Michael Shannon

Gênero: Drama

Nacionalidade: Estados Unidos/Inglaterra

Assista ao trailer: