“A gente não vai parar. A gente não vai parar. É terrorismo. É terrorismo mesmo”.
Quando o protagonista Carlos Marighella, interpretado aqui por Seu Jorge, olha diretamente para a câmera (para nós) e diz as palavras acima, é nítido o recado que o diretor Wagner Moura parece mandar: a resistência cultural e a luta contra o fascismo e a extrema direita que assolam o país permanecerão ininterruptas enquanto as forças opressivas de um governo genocida continuar ceifando e marginalizando milhares de vidas.
Uma mensagem que reflete a insistência de lutar e ser ouvido, algo que o próprio filme teve que batalhar devido o imbróglio de seu lançamento: em um primeiro momento a Ancine dificultou trâmites de documentação que normalmente são resolvidos de forma rápida e logo depois veio a pandemia, fazendo com que a cinebiografia do guerrilheiro, político e escritor Carlos Marighella chegasse apenas agora aos cinemas brasileiros.
Baseado na biografia de Marighella escrita pelo jornalista Mário Magalhães, uma das primeiras liberdades que Wagner Moura (dirigido um longa-metragem pela primeira vez) toma é assumir que se trata de um filme de ação. Algo claro logo na primeira cena, onde em um plano sequência acompanhamos uma ação do grupo Ação Libertadora Nacional em um trem para conseguir armamento. A câmera na mão que surge inquieta imprime muito bem a tensão que seguirá por toda a história de Marighella.
Essa abordagem frenética de Moura chega inclusive a estar presente em momentos que não sinalizam perigo algum, como quando Marighella e seu filho disputam uma corrida na praia. Apesar disso, algo que o roteiro do próprio Moura e de Felipe Braga faz muito bem é conciliar os momentos mais apreensivos em que os guerrilheiros disparam e enfrentam os militares, mas com os momentos mais íntimos, onde conhecemos os familiares de alguns membros ali e suas motivações.
Algo muito claro para os personagens é que empunhar armas é um mal necessário e participar daquela luta significa abdicar ou até mesmo condenar as pessoas que amam, como no momento em que Bella (Bella Camero) leva um dos companheiros feridos para a casa da mãe e esta se vê obrigada a fugir dali.
O que nos traz para a forma como o filme enxerga o cinebiografado e é retratado pela grande performance de Seu Jorge. Extremamente convicto com sua causa, Marighella é um sujeito de inteligência e sensibilidade muito aguçadas, o que contrastam com a brutalidade e firmeza necessária para combater os horrores descomunais que a ditadura militar ali realizava. Não à toa, uma das frases mais repetidas pelos personagens ali é “olho por olho”.
Sobre o restante do elenco, Henrique Vieira traz para o Frei Henrique uma solenidade dura, já que embora não esteja confortável com o confronto armado, é alguém que nos lembra das principais lições do cristianismo e que nada recordam as ações atrozes de que se dizia um “cidadão de bem” e que apoiava os militares. Nisso, Bruno Gagliasso faz um personagem que chega a ser caricato pela tamanha crueldade que ele exibe em tela. Porém, ao lembrar de certos chefes do executivo e sua corja de apoiadores, a interpretação que Gagliasso escolhe é até realista.
Contando também com uma fotografia sóbria e desoladora que remete pouca alegria que se vivia naquele tempo e uma ótima reconstituição de época, Marighella é um filme de poucas sutilezas. O filme não pestaneja em ser direto, ao colocar, por exemplo, Bella segurando uma arma e olhando para a câmera, nos dizendo claramente de como a luta não só continuou ali, como deve continuar até hoje.
Wagner Moura, ao embalar a obra em um filme de ação, está mais interessado em escancarar e nos lembrar de como a ditadura militar brasileira foi um dos períodos mais nocivos e atrozes do Brasil e como várias características daquela época parecem persistir e querer nos destruir.
Assim, resta aos personagens e a nós lutarmos, resistirmos e, como Marighella, encarar e dizer:
“A gente não vai parar”.