Por Katia Kreutz

Quem se propõe a assistir Rifle, de Davi Pretto, deve estar preparado para um filme contemplativo e minimalista, no qual a paisagem fala tanto quanto um personagem. O diretor, nascido em Porto Alegre e conhecido pelo documentário Castanha, explora a placidez de uma região rural próxima à fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai. Em belos e silenciosos planos abertos, permeados por momentos corriqueiros na vida de pessoas humildes, uma história sobre dominação e impotência vai se desenrolando.

O protagonista, Dione (Dione Ávila de Oliveira) é um rapaz de poucas palavras, que vive com uma família de conhecidos em um sítio, afastado da “civilização”. Ele é um jovem pouco sociável, mas que se dá bem com o patriarca da família, Evaristo (Evaristo Pimentel Goularte), e namora a filha dele, Andressa (Andressa Nogueira Goularte). Seus dias passam no cuidado com os animais; as noites, jogando cartas e tomando chimarrão.

Essa aparente tranquilidade vai revelando novos contornos: a cada dia, o movimento de carros na região aumenta, assim como a preocupação no rosto de Dione. Ele tenta buscar refúgio na natureza, caminhando sozinho pelos campos ou passando seu tempo em uma cachoeira. No entanto, a notícia de que um grande proprietário de terras deseja comprar o pequeno sítio de Evaristo deixa Dione extremamente abalado.

O rifle do título é a maneira que esse homem simples e bruto encontra para defender o que ele considera como seu território. A “invasão” da cidade se desencadeia aos poucos, assim como a mudança no comportamento do personagem: de um rapaz aparentemente calmo e inofensivo para um atirador sem propósito ou escrúpulos.

Davi Pretto optou por um estilo quase documental nas gravações. É como se o cineasta se mantivesse tão afastado quanto a câmera, sem interferir na narrativa, apenas observando. Até mesmo os nomes dos personagens, em sua maioria, são idênticos aos dos atores locais que os interpretam. O carregado sotaque do​ elenco, aliás, ​é ​um detalhe que dá autenticidade ao longa, ​mas que ​muitas vezes também dificulta ou até impossibilita a compreensão d​os ​diálogos.​ ​

A história não traz grandes reviravoltas ou mesmo respostas para os mistérios que levanta ao longo do caminho. Os momentos em que o roteiro tenta abordar qualquer motivo racional para as atitudes de Dione são, na verdade, os menos interessantes. O personagem é, em si mesmo, um enigma. Tentar explicá-lo acaba sendo um erro.

​Como um animal acuado, o protagonista tenta manter, em sua cabeça, uma ilusão de paraíso intocado que nem sequer existe mais. Não são os veículos ou as máquinas agrícolas que estão destruindo aquele lugar, porque ele já foi abandonado: os proprietários das antigas terras as venderam e foram embora, ou então morreram. No final das contas, o homem é responsável pela glória e também pela decadência do meio rural.

Nesse sentido, Rifle deixa claro que a natureza do ser humano, em sua essência, é nociva. O próprio Dione acaba demonstrando esse lado tóxico, essa capacidade de destruição que ele tanto despreza nos “invasores”. Mesclando sua identidade à da terra onde escolheu viver, ele encontra um fiapo de pertencimento. Quando isso é tirado, não lhe sobra nada… e ele não tem nada a perder.

O universo criado por Davi Pretto não chega a abordar de maneira profunda o êxodo rural e a dominação capitalista, por isso mesmo não serve como discurso político. Funciona melhor como um olhar poético sobre a realidade humilde dos homens do campo, suas dificuldades e a impossibilidade de lutar por um território, por um modo de vida.

Em sua tentativa de realizar um suspense com pinceladas de western, o cineasta acertou na criação da atmosfera: a fotografia de Glauco Firpo tem momentos maravilhosos, especialmente nas cenas noturnas, e o desenho de som contribui para trazer elementos desconcertantes, ameaçadores.

Contudo, a história não entrega um desfecho consistente ou minimamente satisfatório. O filme se perde ao tentar dar respostas racionais, que não se encaixam de maneira orgânica na narrativa. Um personagem como Dione não tem muito a seu favor no que diz respeito à empatia do espectador, mas no início do longa é possível pelo menos compreendê-lo de maneira instintiva.

Conforme os atos de violência vão acontecendo, sem consequências reais, o comportamento errático do protagonista se torna cada vez menos envolvente. Talvez a ideia fosse transformá-lo em uma metáfora para a perda do controle dos homens comuns, frente ao poder do agronegócio, mas é difícil investir emocionalmente em uma história que começa vaga e depois tenta jogar um punhado de informações sem torná-las palatáveis.

Rifle é um filme que teria potencial para ser um bom suspense, mas acaba se limitando a um retrato da vida rural no sul do país, por não conseguir manter a tensão narrativa sugerida inicialmente. Levando em conta o ritmo lento com que tudo acontece, chegar a um final anti-climático pode ser decepcionante para a maioria das pessoas. Afinal, não importa o quanto sejam lindas e bem enquadradas as imagens… se pouco ou nada, de fato, acontece.

rifleRifle

Ano: 2016
Direção: Davi Pretto
Roteiro: Davi Pretto, Richard Tavares
Elenco principal: Dione Avila De Oliveira, Evaristo Pimentel Goularte, Francisco Fabrício Dutra dos Santos, Sofia Ferreira, Andressa Nogueira Goularte
Gênero: ​Drama, Crime, Mistério
Nacionalidade: Brasil

Veja o trailer: