Meu Pai (2020), dirigido por Florian Zeller e estrelado por Anthony Hopkins e Olivia Colman é um drama subjetivo, repleto de conflitos e tensões éticas e morais que nos força a vivenciar a vida pela perspectiva de um protagonista com demência. Adaptado da peça teatral homônima do mesmo diretor e exibido pela primeira vez no Festival de Sundance em 2020, o filme recebeu 6 indicações ao Oscar e concorre nas categorias mais relevantes da premiação: Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Montagem, Design de Produção e Roteiro Adaptado.
Como um sinal de alerta no vasto campo da indústria cinematográfica, Meu Pai (2020) acena para nós de forma elegante e refinada. Em um primeiro momento, o que se destaca é a potência do elenco: Anthony Hopkins e Olivia Colman, dois ícones do cinema contemporâneo. No entanto, não é apenas a interpretação emblemática dos atores que eleva a obra a um patamar de adoração. Ao assistir o longa-metragem também somos arrebatados por uma direção sagaz e primorosa.
Com um tom soturno e melancólico, o filme retrata a vida de Anthony (Anthony Hopkins), um senhor de 81 anos de idade que vive com a sua filha Anne (Olivia Colman) em um grande apartamento no centro de Londres. O protagonista apresenta sintomas relacionados à demência e ao Alzheimer como perdas de memórias, não reconhecimento dos parentes próximos, confusões mentais etc. À medida que o homem envelhece, sua filha Anne parece não mensurar esforços para cuidar do seu pai.
O dilema, e, consequentemente, o conflito narrativo se instaura desde as primeiras cenas do filme. Anne precisa decidir entre viver a própria vida ou abandonar o pai. Nesse aspecto, o filme levanta discussões pertinentes relacionadas ao lugar do idoso em nossa sociedade e retrata de forma sensível e dolorosa a forma como o corpo velho – não produtivo – é colocado no limite da existência e desvalorizado por todos nós.
Ao longo da narrativa as confusões mentais de Anthony se intensificam e um grande quebra-cabeça envolto de mistérios é apresentado ao espectador. Aqui, a beleza de Meu Pai (2020) é apresentada de forma encantadora e extraordinária. Isto porque Zeller abusa da linguagem cinematográfica para pregar peças no espectador e colocá-lo em uma posição ativa, ou seja, os artifícios técnicos empregados pelo cineasta alçam o espectador para dentro da cabeça do protagonista. Daí para frente, os lapsos de memória, os imbróglios mentais, a perda da consciência, do tempo e da realidade são vivenciados não somente no plano do conteúdo, mas na própria forma do filme. Enquanto Anthony enlouquece, o próprio filme parece enlouquecer com ele.
Na experimentação da linguagem o diretor conta a história pela perspectiva do protagonista, ou seja, da maneira como o personagem vive a sua própria realidade. Cortes, flashs, retomadas, reencenações etc. são alguns recursos que o diretor utiliza para construir a atmosfera de insanidade da obra e expor a fragilidade de Anthony. Esses fragmentos não lineares, não sincrônicos, dispersos e fraturados colocam o espectador em espreita e nos fazem questionar a conduta ética de todos os personagens envolvidos na trama. Com atuações belíssimas e avassaladoras, arraigadas no êxtase da sublime interpretação, Meu Pai (2020) oferece um cenário para se pensar o estatuto da velhice em nossa sociedade, de uma forma inteligente, poética e sensível.