Por Domitila Gonzalez
Com sua estreia antecipada, Ninfomaníaca – Volume 2 há de lotar as salas de cinema, já que Lars Von Trier fez questão de, literalmente, cortar o clima no meio.
A segunda parte da história de Joe, uma mulher autointitulada ninfomaníaca, começa com um breve resgate que pode ajudar o espectador a mergulhar de novo no enredo. Diferentemente da primeira parte, não há introduções longas ou grandes sequências em câmera lenta de flocos de neve ou gotas de chuva. Mas sim muitas câmeras tremidas e enquadramentos que ninguém melhor que o Lars sabe utilizar.
Joe ainda está deitada na cama e Seligman ainda ouve sua história. Poderíamos dizer que a parte 2 se desenvolve com “mais do mesmo”, mas acredito que não seja por aí. Sim, a estrutura básica de roteiro se mantém, mas as relações tornam-se cada vez mais cheias de detalhes, assim como as metáforas utilizadas pelo anfitrião de Joe.
Aqui, não mais a pesca ou a música, mas o sagrado e o profano são constantemente colocados em pauta, levantando inclusive uma discussão sobre ortodoxos e cristãos. A religiosidade entra em cena, bem como as constantes referências históricas vomitadas por Seligman.
Estranhamente, a avalanche de referências que não havia incomodado na primeira parte, agora empapuça e faz com que o andamento do filme fique mais lento, deixando no ar frases como “tá, e…?” que não contribuem para a fruição do longa-metragem.
Lars tem dessas coisas: muitas vezes a gente pouco entende – e ele também não faz questão disso –, mas a construção da narrativa faz com que o espectador saia do cinema completamente atravessado, desencaixado, craquelado.
É possível perceber esse desajuste em narrativas como a de Dogville (2003) e Manderlay (2005). Inclusive nos mais clássicos como Dançando no Escuro (2000) e Ondas do Destino (1996), ainda que suas construções se desenvolvam de maneira mais linear, o estranhamento está presente e o diretor deixa lacunas a serem preenchidas por quem vê o filme.
Desde Melancolia (2011) e Anticristo (2009) é possível notar um peso maior nas temáticas tratadas por Lars Von Trier, bem como um afunilamento no roteiro que ainda deixa o espectador entorpecido, mas com menos espaço para preenchimento de significados. Tudo vem mais explicado, mastigado, detalhado. A reflexão fica por conta de algo que já foi estabelecido e não pela possibilidade de um discurso estar contido ali.
Há quem diga que Ninfomaníaca é uma sequência sobre sexo. Felizmente para uns, infelizmente para outros, o sexo é só um pretexto para falar sobre outras muitas questões latentes na psique humana. Na de Joe, na de Seligman, na do espectador que tenta fazer associações a todo custo.
Com exceção da polêmica causada por Azul é a Cor mais Quente (leia a crítica aqui) cenas de sexo já não chocam tanto quanto são pretendidas. Ou talvez não em roteiros de Von Trier, com os quais já estamos acostumados. Posto isso, Ninfomaníaca é forte não pelo sexo explícito, mas porque, mais uma vez, o diretor cutuca a ferida com ferro quente e transborda questões constantemente renegadas pelo ser humano.
Lars Von Trier teceu uma trama que envolve desejo, Wagner, Beethoven, Bach e Rammstein, bem como Freud e Jesus Cristo, sadomasoquismo, maternidade, paternidade, vício, delírio e sanidade, amor (ou falta dele) e hipocrisia.
E então, o fato de o filme se chamar Ninfomaníaca, num ótimo sentido, não quer dizer absolutamente nada, porque o filme se justifica pela construção de um todo e não de um conceito específico.
A personalidade construída pela atriz Charlotte Gainsbourg é profunda e cheia de nuances. Acreditamos em Joe, facilitados por seu discurso impecavelmente estruturado, que coloca em cheque até mesmo as maiores referências de Seligman. Com um texto afiadíssimo, o diretor e roteirista coloca lenha na fogueira pela boca de Joe, dizendo a sociedade é hipócrita e que se livra de qualquer palavra que julgue não ter serventia.
Ele sabe o que quer e prova isso em todos os minutos de filme, tanto da parte 1 quanto da parte 2. Mesmo entregando as 100 horas de material bruto (imagina a bomba), não tem como não reconhecê-lo, explícita ou implicitamente, até mesmo na versão cortada. Seja em suas cores ou na ausência delas. Na câmera movimentada ou estática. No silêncio ou no som.
Mais uma vez, Wagner. Mais uma vez, um menino debruçando para ver a neve, enquanto sua mãe está envolvida em alguma atividade sexual.
Mais uma vez, seres humanos.
Mais uma vez, Lars.
Ninfomaníaca – Volume 2 (Nymphomaniac vol II)
Ano: 2013
Diretor: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Elenco Principal: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgård, Stacy Martin, Shia LaBeouf
Gênero: Drama, Erótico
Nacionalidade: Dinamarca/ Alemanha/França/ Bélgica
Confira o Trailer:
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