Um povo retirado de sua terra. Estes são os protagonistas de Essa Terra é Nossa, documentário que denuncia as atrocidades cometidas contra o povo Maxakali, expulsos de seu próprio território e obrigados a viver em um espaço reduzido. No filme acompanhamos mais um capítulo do projeto colonial genocida que há mais de 500 anos dizima a população indígena no Brasil.
Realizado em uma parceria entre cineastas Maxakali e não-indígenas o longa mostra um grupo da etnia Tikmu’un caminhando por paragens que antes lhes pertenciam, mas que agora são ocupadas por fazendas ou cidades. Nesse sentido, uma das primeiras bandeiras que o documentário levanta é o papel dos povos originários na preservação do meio ambiente. Através de fotos e imagens aéreas o espectador acompanha o desmatamento na região e, por consequência, entende um dos papeis de importância das terras indígenas. Por possuírem um estilo de vida que respeita a natureza, estes territórios funcionam como santuários de preservação ambiental e climática.
Na medida em que assistimos Essa Terra é Nossa, torna-se evidente que sua relevância não está na técnica, que por vezes não passa de imagens de registro, mas sim na voz que concede aos povos originários. Além de denunciar a invasão indevida de territórios, a produção colabora para o registro de costumes, tradições, músicas e crenças dos Tikmu’un, como a que diz que os homens brancos surgiram de um monstro canibal, enquanto os indígenas vieram da terra. Esse nível de liberdade e despojamento dos entrevistados de certo não seria alcançado, caso os cineastas não fossem Maxakali.
Essa liberdade permitiu aos personagens relatar em detalhes a grande questão do filme: a usurpação de terras indígenas. Fruto de um descaso do Governo Federal e da falta de políticas públicas que atendam os povos originários, a demarcação de terras foi feita de maneira indevida, relegando um espaço reduzido aos Tikmu’un e inviabilizando sua subsistência. Aliado a isso soma-se o choque de culturas entre brancos e indígenas e a falta de fiscalização de territórios já definidos.
Em consequência, vemos o retrato de um povo em guerra. As disputas territoriais e a incompreensão da cultura indígena por parte dos brancos provoca pequenos massacres étnicos até hoje. Essa Terra é Nossa apresenta uma longa lista de membros da tribo que morreram em anos recentes em conflitos com homens brancos. Por conta disso, não é de surpreender que os Tikmu’un se mostrem receosos e irritadiços diante da presença de pessoas da cidade. Eles, afinal, são o elo mais fraco dessa corrente, algo reiterado em uma cena determinante. Enquanto o grupo passa por uma rua falando sobre os massacres, um comerciante grita dizendo que todas as noites um indígena rouba a lâmpada externa de seu bar. Esse momento resume as diferenças: os brancos estão brigando por lâmpadas roubadas, já os indígenas lutam para sobreviver.
Essa crescente incomunicabilidade gera um clima de constante tensão, algo bem retratado na luta dos Tikmu’un para praticarem sua cultura. Contudo, o tom confessional de Essa Terra é Nossa não consegue escapar do denuncismo. A produção fica presa em repetidas cenas dos membros da tribo atestando que a terra lhes pertence sem de fato se aprofundar em como aconteceu o processo de demarcação local, se existem trâmites judiciais para mudar aquela realidade ou mesmo uma explicação sócio-política aprofundada. O filme é de extrema importância para colocar em debate popular a questão dos povos originários, mas carece de estrutura para dar passos para além disso.
Essa crítica faz parte da cobertura do Cinemascope do 10º Festival Olhar de Cinema. Acompanhe todas as críticas aqui
NŨHŨ YÃG MŨ YÕG HÃM: Essa Terra é Nossa
Ano: 2020
Direção: Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero
Gênero: Documentário, Drama
Nacionalidade: Brasil