Por Sttela Vasco

Após o estrondoso sucesso de Divertida Mente (Inside Out), de Peter Docter – que chegou ao patamar de um dos melhores filmes da Disney/Pixar e é cogitado a se unir a A Bela e a Fera (Gary Trousdale, Kirk Wise), Up! Altas Aventuras (também de Peter Docter) e Toy Story 3 (Lee Unkrich) no seleto time de animações que concorreram também ao Oscar de Melhor Filme – muito se esperou  e especulou sobre o próximo lançamento do estúdio. A grande questão era se a Pixar conseguiria fazer frente a si mesma e chegaria perto do frenesi causado pela obra de Docter. Foi em meio a isso que Peter Sohn entregou o seu O Bom Dinossauro (The Good Dinosaur) e também a resposta à pergunta feita acima. Não. O longa dificilmente chegará perto de atingir ao público como Divertida Mente fez. E isso não é necessariamente ruim. Sincero e com um roteiro simples, o filme se atém ao que promete: emocionar.

A história questiona o que aconteceria se os dinossauros não tivessem sido extintos após um asteroide ter se chocado com a Terra e é nesse cenário que conhecemos a família de Arlo, um jovem e desengonçado dinossauro que não consegue se encaixar e que sofre com seu medo excessivo. Porém, após um trágico acontecimento que o faz se perder de casa, ele terá que enfrentar tudo o que teme para reencontrar o caminho até sua família. Para isso, ele contará com a inesperada amizade de Spot, um jovem menino humano.

A primeira coisa a chamar atenção em O Bom Dinossauro é a humanização dos animais em troca da animalização dos seres humanos. A família de Arlo vive em uma fazenda na qual eles plantam, colhem e guardam o próprio alimento. Há um senso de organização e responsabilidade entre eles e também racionalidade. Spot, por sua vez, é o completo oposto. Ele é a criatura que rouba a comida da fazenda, não fala e em muitas vezes age da mesma maneira que um cachorro. Ver os dinossauros como os seres racionais e os humanos – ainda com os trejeitos que imaginamos ao pensar nos primórdios da nossa espécie – como apenas mais um grupo de animais torna a dinâmica do longa interessante e nos faz questionar como seria a Terra sem a presença humana ou com outro tipo dela. Se é comum em filmes da Disney ver brinquedos, bichos e sentimentos falando, é curioso assistir um ser humano que se utiliza de outros meios além da fala para se comunicar.

Tais meios, no entanto, são fundamentais para tornar os laços de Spot e Arlo mais firmes. Eles precisam aprender a confiar um no outro mais pelas atitudes de ambos do que por conversas – que são poucas, porém, muito bem pontuadas quando ocorrem. O fato de Spot não falar também colabora com o ritmo lento da animação, pois, em boa parte do filme, Arlo se encontra fazendo monólogos. Ao longo do caminho que percorre para retornar à fazenda, a dupla se depara com personagens curiosos e um tanto exóticos, que dão um pouco mais de ritmo à história e auxiliam o humor. Porém, nenhum deles permanece por muito tempo e a forma com que saem, por vezes, é um tanto abrupta. Eles acabam se tornando ferramentas para conduzir a trama, mas que são esquecidas depois de utilizadas. O humor, aliás, é bastante adulto. Em especial na cena em que Arlo e Spot provam cogumelos e passam a ter alucinações ou o momento em que Forrest Woodbush, um dinossauro excessivamente preocupado com sua proteção, aparece.

O mais problemático do longa, infelizmente, é o roteiro. Não por sua simplicidade, mas por suas quebras. Alguns cortes são abruptos em excesso, enquanto outras partes se arrastam. Falta um ritmo certo, que envolva mais. No entanto, se a atenção é perdida por essa questão, a emoção faz com que ela seja retomada. O Bom Dinossauro é um filme emotivo. Seja na superação de um acontecimento muito ruim ou em aprender a lidar com suas próprias limitações, ele busca o tempo todo emocionar. Consegue. E, para isso, toma como referência grandes clássicos do estúdio como Mogli, O Menino Lobo (The Jungle Book) de Wolfgang Reitherman, e, principalmente, O Rei Leão (The Lion King), de Roger Allers e Rob Minkoff.

*Texto contém spoilers a seguir*

As referências são muitas, mas a principal delas se encontra em O Rei Leão. Assim como Simba, Arlo perde seu pai em um acidente do qual tentava salvar o filho. Também como o leãozinho, o dinossauro é forçado (em circunstâncias diferentes) a passar um tempo longe de casa para, mesmo sem saber, amadurecer e enfrentar o que ocorreu. Porém, o diálogo com um dos principais desenhos do estúdio vai muito além das conexões mais óbvias. Em determinado momento, Spot e Arlo cruzam com um trio de pterodátilos que em muito lembram as hienas da obra de Allers e Minkoff. Há o líder masculino, a fêmea que arquiteta os planos e um segundo macho que apenas ri. Eles se tornam os principais algozes da jornada de Arlo para casa.

Liderados por Trovoada, eles fazem de tudo para agarrar Spot, a quem os três veem como alimento. O mais interessante em relação a eles é, porém, a origem do grupo. Trovoada repete o tempo todo a frase “a tempestade provém”. Ao pé da letra, ele se refere às constantes chuvas que atingem a região, mas que, depois, trazem comida. No entanto, tal frase também pode se referir à necessidade de se passar por um momento tenebroso para alcançar de alguma forma o divino – o pterodátilo se acredita especial por ter superado sua provação – e se tornar um seguidor da tal tempestade, algo que remete a muitas das crenças humanas.

A jornada da dupla é sofrida e cheia de obstáculos, mas contém também encontro com amigos improváveis como uma família de tiranossauros rex que ajudam Arlo a encarar seus medos de frente. Enfrentar temores, aliás, é o mote que conduz a animação. Arlo precisa lidar não somente com o medo do desconhecido e de outras criaturas, mas o receio que tem de si próprio. O tempo todo ele se cobra por não ser igual aos irmãos ou ao pai e teme nunca ser. Ao longo de sua jornada – e após um encontro transcendental com o pai que em muito lembra o momento em que Mufasa surge para Simba nas nuvens – ele percebe que não é necessário seguir o exemplo de alguém para merecer ser valorizado.

Fica um destaque para o cenário de tal trajetória. Se O Bom Dinossauro não se superou no roteiro, ele certamente o fez na técnica. As paisagens são extremamente realistas, ao ponto de fazer com que o espectador questione se o 3D não foi mesclado a imagens reais. Cada elemento das cenas foi feito em 3D, desde cachoeira até as nuvens e folhas. A riqueza visual do longa é impressionante e merece todos os elogios. De acordo com Sohn, o objetivo era fazer até um dinossauro se sentir pequeno em meio à imensidão da natureza, e isso ele consegue com maestria.

O Bom Dinossauro, apesar de suas falhas, conquista por sua honestidade e delicadeza. Abordando temas como família, amizade e autoaceitação, ele faz com que o espectador identifique seus laços pessoais naqueles possuídos pelos personagens. Visualmente, este provavelmente é o melhor filme que a Pixar já fez. Como história, ele se compromete a entregar o que propôs sem mirar em superar seu antecessor e consegue deixar alguns ensinamentos pelo caminho. Como toda boa produção do estúdio, fica a lição de que algumas coisas na vida não podemos superar, mas sim aprender a lidar e que um bom amigo mesmo sempre estará ali para te ajudar a fazer isso.

O Bom DinossauroO Bom Dinossauro (The Good Dinosaur)

Ano: 2015

Direção: Peter Sohn

Roteiro: Meg LeFauve, Peter Sohn, Bob Peternson

Elenco principal: Raymond Ochoa, Frances McDormand, Jeffrey Wright

Gênero: Animação, Aventura

Nacionalidade: EUA

 

 

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