Por Katia Kreutz
Ser adulto não é nada fácil. É preciso lidar com responsabilidades e preocupações, aceitar o fato de que nem todos os nossos sonhos se realizam e muitas de nossas expectativas acabam frustradas. Na maior parte do tempo, honestamente, as coisas não são lá muito divertidas. Mas a vida adulta não é uma escolha e, sim, um fato. Crescer e ter que encarar o mundo é algo que acontece nas melhores – e também nas piores – famílias.
Essas são algumas das reflexões levantadas pelo filme O Castelo de Vidro. Dirigido por Destin Daniel Cretton (do sucesso independente Temporário 12) e baseado no livro autobiográfico da jornalista Jeannette Walls, o filme acompanha a trajetória de Rex (Woody Harrelson), Rose Mary (Naomi Watts) e seus quatro filhos, uma família disfuncional vivendo de maneira alternativa nos Estados Unidos.
Jeannette consegue transformar em uma boa história lembranças ruins de uma infância difícil, de poucos recursos e muita ansiedade, sendo ignorada constantemente pelos pais e muitas vezes tendo que cuidar de si mesma e dos irmãos. A trama se passa em três fases, que se misturam em fragmentos de memória: a infância da menina (interpretada por Chandler Head), sua pré-adolescência (Ella Anderson) e a vida adulta (Brie Larson).
Rex, o pai, é um homem amoroso, inteligente e cheio de vida, mas que se torna depressivo e abusivo quando bebe. Ele tem sonhos grandiosos e planeja construir uma casa de vidro no alto de uma colina, cercada pela natureza. No entanto, seu alcoolismo e a vida nômade à qual submete a família não permitem que isso se concretize. Woody Harrelson consegue dar humanidade a um personagem que, nas mãos erradas, seria o estereótipo do alcoólatra imprestável.
Rose May, a mãe, é uma artista excêntrica, de temperamento dócil e espírito livre. Em várias ocasiões, ela se perde nas suas pinturas, esquece que tem filhos para criar e, principalmente, alimentar. É conivente com o comportamento do marido e negligente com quatro crianças que não sabem – nem devem – tomar conta de si mesmas.
“Só precisamos encontrar o local perfeito para construirmos o nosso castelo”, promete o pai. Mas a Jeannette adulta, uma mulher extremamente racional e que acabou se afastando da família que tanto a machucou, sabe que foi tolice acreditar nisso. Quando as promessas nunca são cumpridas, as palavras deixam de ter valor.
Segundo o relato de Jeannette, Rex e Rose May criaram seus filhos na “escola da vida”. Eram da opinião de que eles aprenderiam experimentando a realidade. “Os burgueses da cidade, vivendo em apartamentos elegantes, mas o ar é tão poluído que não conseguem ver as estrelas”, pregava o pai. Morar com quatro crianças em casas abandonadas, sem água encanada ou eletricidade, muitas vezes sem ter o que comer, hoje em dia é algo que se denuncia ao conselho tutelar. Talvez na década de 70 as coisas fossem um pouco diferentes.
No ano passado, o filme Capitão Fantástico abordou um tema semelhante, apesar de bem mais romantizado: um pai viúvo que decide criar seus seis filhos no meio da floresta, de uma forma totalmente anti-convencional, com uma rígida educação intelectual e física. Estimular a imaginação dos jovens é algo realmente maravilhoso, mas não pode servir como desculpa para escapar das obrigações básicas. Nenhum filho é responsável por zelar pela sua integridade física e ainda cuidar dos pais, pelo menos não na infância.
O amor e a união da família de Jeannette, especialmente entre os irmãos, é inegável. As boas intenções dos pais, também. É compreensível que eles tenham desejado um estilo de vida diferente, que quisessem manter vivo o senso de aventura e de conquista. Entretanto, na prática, o que se vê são crianças crescendo sem o mínimo de estabilidade e proteção, lidando com sofrimentos e pressões que não deveriam recair sobre suas costas.
É difícil julgar os outros, sem viver na pele deles. A própria Jeannette, nos anos 90, tenta se reconciliar com o pai, antes que seja tarde demais. Mas é evidente que ela e os irmãos estavam afundando. O fato de procurar uma vida adulta absolutamente controlada e considerada “chata” pelos pais é reflexo de uma infância conturbada, traumática, permeada por medos e decepções.
Sim, a protagonista é uma mulher forte e corajosa, inegavelmente. Ela passou por situações difíceis, soube tirar o melhor disso e se tornou uma escritora bem sucedida. A lição que fica é que somos todos humanos, temos nossas falhas, mas podemos não ser egoístas quando se trata de passar o bastão às futuras gerações: alguns demônios são apenas nossos e temos o dever de lidar com eles sozinhos.
O Castelo de Vidro (The Glass Castle)
Ano: 2017
Direção: Destin Daniel Cretton
Roteiro: Destin Daniel Cretton, Andrew Lanham, Jeannette Walls
Elenco principal: Brie Larson, Woody Harrelson, Naomi Watts, Max Greenfield, Sarah Snook, Ella Anderson,
Gênero: Drama, Biografia
Nacionalidade: Estados Unidos
Veja o trailer: