Robert Eggers se tornou conhecido por dar uma roupagem sobrenatural a seus dramas coming of age e ambientá-los no passado da Nova Inglaterra. Foi assim com A Bruxa (2015), premiado no Festival de Sundance, que mostra o amadurecimento da jovem Thomasin (Anya Taylor-Joy) enquanto sua família é vítima de bruxaria e magia negra em 1630.
O mesmo acontece agora em O Farol. A história gira em torno de Thomas Wake (Willem Dafoe), um experiente faroleiro, e Winslow (Robert Pattinson), seu mais novo ajudante, que vão trabalhar em uma ilha remota da Nova Inglaterra em 1890. Ali, os dois tentam se conhecer melhor, contudo têm a convivência dificultada por eventos misteriosos que circundam o farol.
Ao assistirmos o longa de Eggers o que primeiramente salta aos olhos é a qualidade técnica. Com uma razão de aspecto quadrada e todo filmado em preto e branco, O Farol possui uma cinematografia exuberante e cheia contrastes visuais. Jarin Blaschke, que também assina a fotografia de A Bruxa, demonstra extremo controle da câmera e do quadro.
A impressão é que estamos vendo uma fotografia em movimento, produzida em 1800. Tal escolha estética tem ramificações práticas, principalmente sobre os atores, que muitas vezes olham diretamente para a câmera e quebram a quarta parede como num verdadeiro retrato.
Outro recurso que impacta na atuação é o uso frequente do contra-plongée para engrandecer os personagens. Tal característica é reforçada na montagem que, ao trabalhar em consonância com os demais elementos, escolhe sabiamente os planos que mais favorecem as interpretações. O quadro de suspense se completa com a trilha sonora repleta de acordes tensos e com um leimotiv que lembra o distante apito de um navio (fantasma).
Entretanto, um filme não é feito apenas de categorias técnicas. Ambos os atores entregam performances primorosas. O Thomas Wake de Dafoe é um verdadeiro pirata de desenho animado em sua maneira de andar e falar. Já o Winslow de Pattinson é um jovem faroleiro em formação, que acaba passando por um processo de descoberta em uma ilha assombrada. No início da trama o público cria uma empatia imediata por Winslow e se perturba à medida em que a história avança e ele se desconstrói a olhos vistos.
A relação entre Wake e Winslow é pautada por uma rotina incessante. Durante o dia há um trabalho braçal e excruciante a ser feito. A noite é dividida entre conversas à mesa, que permitem aos personagens conhecerem um ao outro, e mistérios sobrenaturais. Com a piora do clima algo se quebra e a relação entre os dois também se agrava.
Repleto de referências hitchcockianas (o voyeurismo, o comportamento estranho dos pássaros, as escadas que conduzem à fonte do mistério), O Farol consegue criar um clima de constante perturbação para o espectador. Colaboram para isso os sonhos premonitórios de Winslow, o comportamento suspeito de Wake e os seres fantásticos com pinta de súcubos*
Graças à sua roupagem de terror, o filme trabalha com o jogo do visto e do não visto, mas faz isso da maneira menos tradicional. Aqui, não chegamos a conhecer exatamente a origem do mal, o que intensifica o suspense uma vez que a imaginação é capaz de criar coisas muito mais assustadoras do que as mostradas em tela. Com apenas um jump scare, O Farol cria com maestria um suspense psicológico que se entranha no público, nele se instala e o mantém preso à história.
Longe de ter um final conclusivo, a produção nos manda para casa incomodados com perguntas não respondidas. Quanto do que vimos era mesmo real? Podemos confiar em Winslow ou em Wake? O que assistimos foi mesmo um filme de terror? A resposta para essas perguntas é muito pessoal e estimula o debate. Porém uma coisa é certa: com O Farol Robert Eggers se consolida como um dos nomes a se acompanhar no cenário dos filmes independentes americanos.
*Na mitologia, súcubo é um demônio que assume aparência feminina, invade os sonhos dos homens para ter relações sexuais com eles e, de quebra, roubar-lhes a energia vital.
**Essa crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.