Crítica do filme O Físico

Por Ana Carolina Diederichsen

Baseado no best seller homônimo (cuja tradução mais precisa seria “O Médico”), o longa divide-se em duas frentes principais: a história pessoal, representada pela jornada de Rob e o pano de fundo histórico. Ambos muito interessantes.

O curioso Rob Cole (o apagado Tom Payne), fica órfão aos dez anos, quando sua mãe é vitimada pela desconhecida “doença do lado”. Sem ter para onde ir, busca refúgio com Barber, uma espécie de curandeiro viajante, o mais próximo de um médico que a Idade Média permitia. Barber, o sempre competente Stellan Skarsgård (Ninfomaníaca), um tipo rabugento, mas dotado de bom coração, acolhe o menino inicialmente a contragosto. Com o passar do tempo, se afeiçoa a ele e transmite seu conhecimento sobre doenças e como tratá-las.

Numa época em que qualquer sinal de curiosidade podia facilmente ser convertido em heresia levando à morte pela Inquisição, Rob não se conforma com os ensinamentos superficiais de seu mestre. Quando Barber começa a não enxergar em função da catarata, seu jovem aprendiz procura um grupo de médicos judeus, que devolvem a visão à seu mestre. Lá, encanta-se com a habilidade, higiene, calma e destreza demonstrados pela dupla. Naquele momento, toma a decisão de tornar-se, assim como eles, um médico. Para isso tem que atravessar a Europa e ir para a longínqua e avançada Pérsia.

Embarca então, numa viagem que dura anos, percorrendo lugares tão hostis ao cristianismo, que um cristão não sobreviveria. Para isso, disfarça-se de judeu, realizando inclusive a circuncisão. O longa, em função do tempo limitado, não mostra essa fase em detalhes, mas deixa implícita (e o livro mostra isso bem) a viagem e a profunda e rica imersão cultural. Durante o percurso acidentado, conhece e se apaixona por Rebecca (Emma Rigby), uma bela jovem que ruma a seu casamento forçado.

Chegando à Pérsia, Rob encontra uma cidade totalmente diferente do que estava acostumado. Isfhan é limpa, receptiva e repleta de culturas diferentes que convivem em paz, graças ao Xá e à presença da escola de Medicina. A fotografia tem importante papel: pouco naturalista com excesso de contraste na fase inicial, simboliza as trevas que caracterizam a Idade Média. O visual se altera sensivelmente quando entramos no território dos judeus, e ainda mais quando chegamos ao novo lar de Rob, agora com tomadas mais longas e abertas (menos opressoras) do que as do início do filme.

Lá tem início a encantadora fase de descobertas. Ele conhece Ibn Sina, personagem real representado por Ben Kingsley, professor, médico e grande pensador da sua época. A aprendizagem vai muito além da fisiologia e o coexistência harmoniosa de diferentes culturas e maneiras de ver o mundo é altamente rica. Rob se encanta (assim como o espectador) e cresce. Mas nem todos estão confortáveis com essa pacificidade e divisão de poderes. E é nesse aspecto que o longa tem seu maior mérito: ele mostra, sem rodeios, que o ódio religioso tem origens muito mais políticas do que qualquer outra coisa. E nesse caso, a religião atua apenas como um catalisador social, um meio de divulgação das ideologias políticas e disputa pelo poder.

A historia é longa e repleta de detalhes ricos e delineia-se, sem surpresas, desde o começo. Apesar das duas horas e meia de duração, o filme, infelizmente limitado pelo tempo, abre o apetite para o livro, pois retrata, ainda que superficialmente, uma bela história, com um teor tão atual que merece ser aprofundada.

Numa decisão comercialmente compreensível, perdeu-se muito tempo retratando um romance ordinário ao invés de explorar o encantamento do conhecimento, a troca entre culturas e tudo mais. Talvez se o romance fosse suprimido em detrimento das outras facetas mais interessantes do filme, teríamos um clássico. Ao fazer a opção mais segura e comercial, a do romance, os produtores deram ao longa o ar medíocre que ela carrega.

O filme é competente e bonito, mas deveria ser um pouco mais ousado para honrar a bela história.

O Físico (The Physician)