“O caos é a ordem ainda não decifrada”
Por Joyce Pais
Quando anos atrás li “O Homem Duplicado”, de José Saramago, fui acometida pelo mundo e situações criadas na obra, pela forma realista (e pessimista, porque não?) com a qual as doenças humanas foram analisadas e deflagradas pelo escritor sabe expor nossas fraquezas como ninguém.
Dessa forma, quando soube que o livro seria adaptado para o cinema, fui tomada primeiro por uma sensação de euforia que, em questão de minutos, se transformou em preocupação, receio. Dada a complexidade da obra e da narrativa, logo conclui que seria uma tarefa um tanto ingrata para quem se aventurasse a transpor as letras de Saramago para a grande tela. No caso, o trabalho ficou a cargo do talentoso diretor canadense Denis Villeneuve (Incêndios; Os Suspeitos), que deu conta do recado de forma surpreendente.
O longa conta a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), um professor de história, cuja vida pacata consiste em dar aulas, voltar para casa e ficar com sua namorada (Mélanie Laurent). Tudo muda quando, por acaso, ao assistir um filme, Adam descobre que um dos atores, Anthony (Jake Gyllenhaal), é idêntico a ele. A partir daí, ele passa a perseguir a ideia de se aproximar do seu sósia e descobrir os por quê que envolvem essa semelhança.
Villeneuve desempenhou um meticuloso trabalho de ambientação, onde conseguiu, de forma sensível e perspicaz, capturar toda a atmosfera do livro e desenhá-la por meio de uma fotografia impecável, trabalhada nos tons pastéis (vistos também no figurino de Adam), sobretudo de marrom, amarelo e ocre, e no uso da minimalista trilha sonora que repete e acentua a tensão construída lentamente cena a cena. Planos abertos da cidade aparentemente vazia preenchida pela neblina que oprime, juntamente com os enormes prédios imponentes, com suas janelas idênticas, nos lembrando a todo o momento da identidade perdida (na cidade). Não há singularidade naquele ambiente, tudo é um padrão. Sem falar nas rimas visuais (chave) que ligam as pontas do filme e no trabalho corporal de Gyllenhaal, que com seu gestual, forma com as mãos o formato das pernas de uma aranha. O ator delineia os dois personagens, de personalidades completamente opostas, mas que se complementam, com sutilezas, como o jeito de andar pendendo para um lado, o que denota, também, sua insegurança. Grandes filmes se fazem nos detalhes.
Interessante notar, ainda, a relação que a dupla Adam/Anthony mantém com as mulheres da trama, namorada e esposa, mas principalmente com a figura materna, interpretada por Isabella Rossellini (Veludo Azul), em uma curta, porém, expressiva participação no longa. De certa forma, os dois homens são definidos por suas relações com as mulheres que os rodeiam, num diálogo que transita entre prazer, desejo, poder e controle.
O filme, assim como o livro, abre para diversas possibilidades, nada possui uma resposta definitiva. O jogo constante das dualidades toma conta do protagonista e alerta para a perda da essência e o enfraquecimento contemporâneo que impede a individualização do ser humano, ou seriam Adam e Anthony a mesma pessoa?
Ano: 2013
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Javier Gullón (baseado na obra de José Saramago)
Elenco principal: Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon, Isabela Rossellini.
Gênero: Suspense
Nacionalidade: Canadá, Espanha
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