Por Domitila Gonzalez
***Essa crítica contém spoiler***
O que se perde, numa adaptação?
Toda vez que um filme “baseado” num livro ganha as telonas, é sempre prenúncio de longas e polêmicas discussões. Leitora voraz e cinéfila desde sempre, quando penso em escrever sobre esse tipo de situação acabo me deparando com questões de roteiro que me deixam num lugar difícil.
Não foi diferente com O Lar da Senhorita Peregrine. Desde o momento em que fiquei sabendo da existência do livro, torci para que logo, logo, ele virasse um filme. Daí a Fox compra os direitos, vem Tim Burton e minha vida não poderia ter sido mais linda… Até eu descobrir a expressão “baseado em”.
Em toda adaptação de um livro para um cinema, boa parte dele se perde. Salvo exceções como a trilogia do Senhor dos Anéis, normalmente na transposição para linguagens diferentes, é preciso fazer uns ajustes aqui e ali no roteiro. A partir do “baseado em”, eu já sabia que nós, leitores, teríamos todas as expectativas quebradas. Fui ao cinema sem esperar nada, então, e acabei saindo de lá felizinha!
*Spoilers abaixo*
Ransom Riggs, autor dos livros em que o roteiro de Jane Goldman é baseado, foi muito feliz no que diz respeito ao ritmo da narrativa e na escolha da temática a ser abordada. É tudo muito detalhado, sem ser enfadonho. E situar o leitor em duas linhas de tempo diferentes simultaneamente só enriquece o cenário.
Quando o filme começa, é bom ver que as fotografias do livro, tão presentes no papel, também fazem parte do longa-metragem. Contudo, o começo todo dele é bem rápido e confuso. A impressão que dá é que rolou um “tá, tá, tá, vamos logo pra ilha”. Perde-se a relação estranha de Jacob com seus pais e o vínculo com seu avô Abe só é revelado ao longo do tempo.
Outras características fundamentais do livro foram suprimidas ou drasticamente alteradas no filme, como a peculiaridade de Emma, a cena do fundo do mar, a questão de etéreos e acólitos, o caráter físico da caverna onde há a fenda, e alguns detalhes como uma flor no lugar de uma maçã. São poucas coisas que podem passar despercebidas para o espectador convencional, mas para o público que leu o livro chega até a parecer uma afronta.
Se considerado como uma obra independente, livremente inspirada nos livros de Ransom Riggs, O Lar das Crianças Peculiares cumpre o que se propõe: um filme gostosinho sobre diferenças, evidenciando-as positivamente de um jeito bacana. Aí até dá pra apreciar os conhecidos stop-motions de Tim Burton, o caráter duplo divertido-assustador que todos os personagens carregam e até certa delicadeza que há muito não se via num filme do diretor.
Contudo, a comparação com o livro é inevitável. E, diante de tantas diferenças entre uma produção e outra, é impossível agradar a todos.
O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine Home for peculiar children)
Ano: 2016
Diretor: Tim Burton
Roteiro: Jane Goldman (baseado nos livros de Ransom Riggs)
Elenco Principal: Eva Green, Asa Butterfield, Judi Dench, Samuel L. Jackson, Ella Purnell
Gênero: Aventura, Fantasia
Nacionalidade: EUA, Bélgica, Reino Unido
Assista ao trailer: