And I try, oh, my God, do I try (E eu tento, oh, meu Deus, como eu tento)

I try all the time (Eu tento o tempo todo)

In this institution (Nesta instituição)

And I pray, oh, my God, do I pray (E eu rezo, oh, meu Deus, como eu rezo)

I pray every single day (Eu rezo todo santo dia)

For a revolution (Por uma revolução)

“What’s Up?” (4 Non Blondes)

 

Adaptado do romance homônimo, escrito por Emily M. Danforth, O Mau Exemplo de Cameron Post, melhor filme no Festival de Sundance deste ano, mergulha na história de Cameron (Chloë Grace Moretz), que após ser pega pelo namorado transando com sua melhor amiga no baile de formatura é enviada pela tia ao God´s Promise (Promessa de Deus), uma espécie de acampamento para “cura gay”.

A trama transcorre em 1993 (com direito a bigodões, fitas cassete, programas toscos de ginástica na tv) e alterna passagens intensamente dramáticas a outras comicamente sagazes. A diretora Desiree Akhavan (Appropriate Behavior; 2014) conduz essa jornada de autoconhecimento com segurança e, para compor esse equilíbrio de tons, conta com um elenco afinado. Além de Chlöe Moretz, que tem se jogado cada vez mais em projetos indie como este, se juntam a ela, Forrest Goodluck (Adam) e Sasha Lane (Jane) — revelada em Docinho da América (2016). Trio que, pouco a pouco, configura uma nova “família”, construída a base de empatia, em contraponto ao abandono relegado aos jovens por parte de suas famílias biológicas.

Durante boa parte da projeção, Cameron denota uma certa apatia, como se visualizasse tudo de uma maneira externa e, portanto, deslocada. Ao mesmo tempo em que nada parece afetá-la (e ser mais dolorido que a morte dos pais, talvez o ápice de sofrimento que tenha experienciado até então), suas reações são compatíveis a de uma jovem ainda em processo de descoberta, distanciando-se completamente de qualquer tentativa ou obrigação de enquadrar-se em definições limitantes. Isso fica evidente em uma das sessões de terapia, quando Cameron é orientada a não “pensar em si mesma como homossexual”, ao que responde dizendo não se enxergar dessa maneira, que na verdade não “pensa em si mesma como nada”.

No God´s Promise, as tentativas de mapear as origens do “desvio de conduta” de seus internos recaem numa miscelânea de discursos clichês que, infelizmente, já ouvimos sair da boca de muitos políticos conservadores, fanáticos religiosos ou até mesmo de algum familiar, quem sabe. Seja resgatando possíveis traumas e questões mal resolvidas ou condenando aptidões por esportes, no caso das meninas, ou o gosto por tarefas consideradas delicadas, no caso dos rapazes, embora o longa não invista numa representação que abrace uma densidade absoluta, ele é preciso ao expor que o sufocamento da individualidade e o abuso emocional podem ser letais.

Nesse contexto de isolamento afetivo, qualquer lampejo de felicidade genuína é naturalmente abafado pelos tutores da instituição. A simbólica performance de Cameron ao som de “What’s Up”, hit da banda 4 Non Blondes, é um exemplo disso. Escolha musical mais do que pertinente, ainda mais se pensarmos no que a vocalista Linda Perry representa, desde os anos noventa, para a causa LGBT.

Em última análise, O Mau Exemplo de Cameron Post revela que ter consciência de si é um dos gatilhos essenciais para dar vida à revolução que a música já citada tanto ambiciona. E se essa mudança de parâmetros não pode ser encarada no âmbito social, cultural, político, que esse despertar aconteça, antes de qualquer coisa, no íntimo, pessoal.

 

*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O Mau Exemplo de Cameron Post

O Mau Exemplo de Cameron post

Ano: 2018
Direção: Desiree Akhavan
Roteiro: Desiree Akhavan, Cecilia Frugiuele, Emily M. Danforth
Elenco principal: Chloë Grace Moretz, Steven Hauck, Quinn Shephard
Gênero: ​Drama, Romance
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 4