A adversidade de realizar sequências são de estarem à altura dos originais, não se resumindo a mera imitação do primeiro ou de surgirem sem propósito além de faturar nas bilheterias. A dificuldade se torna colossal quando um filme se encarrega de ser sequência de um clássico como Mary Poppins de 1964, dirigido por Robert Stevenson.
Dessa vez comandada por Rob Marshall (que dirigiu alguns musicais como Chicago, Caminhos da Floresta e Nine), a história acompanha os agora adultos Michael e Jane Banks (Whishaw e Mortimer) nos tempos da Grande Depressão em Londres, com sérios riscos de perderem sua casa. Viúvo e com três crianças, Michael e sua família são novamente visitados pela babá mágica Mary Poppins (Blunt) que passa a cuidar das crianças enquanto Michael e Jane procuram um documento que comprove que seu pai guardou dinheiro para reaver a casa.
A maior qualidade e também sua maior fraqueza reside na sua semelhança estrutural com o clássico. O longa de 1964 não focava numa história onde os personagens tem objetivo de algo e precisam atingi-lo até o final. Era uma narrativa muito mais concentrada na sua atmosfera fantasiosa, nos efeitos e cores de maior ponta que surgiram no período do filme e, claro, nas músicas e números musicais estrelados pelos lendários Julie Andrews e Dick Van Dyke.
Esse novo filme isola em alguns momentos sua premissa para desenvolver as cenas musicais, mas precisa conciliar com uma história mais convencional, que é o obstáculo da família Banks de salvar a casa. Portanto, ao mesmo tempo em que o filme tenta recriar a áurea e ritmo que o original transmitia, ele precisa se comprometer a ser uma obra contemporâneo que agrade o grande público moderno.
E mesmo quando se aproxima do que era o original, a obra parece seguir quase toda a fórmula do clássico. Em vez de um número musical onde Mary Poppins arruma o quarto com as crianças, há uma que se passa numa banheira; em vez do número nos tetos com os limpadores de chaminé, há um número envolvendo acendedores de postes. Embora seja números musicais bem executados, a sequência se espelha demais no original para funcionar perfeitamente e perde a originalidade. Junto a isso, há a necessidade de injetar urgência e dramaticidade na história, que o original não via obrigação em ter. Isso resulta num terceiro ato envolvendo uma corrida contra o tempo que se desvencilha completamente do restante da projeção.
Embora tenha essas descaracterizações, algo que essa sequência faz e que, particularmente, me incomodava no original é humanizar a personagem título. Se o roteiro do filme de 1964 tornava Mary Poppins uma personagem que chegava de certa forma a ser distante e indiretamente responsável pela melhora da relação da família Banks, aqui é mais claro as suas intenções. Em certos momentos, Marshall foca nas reações de Poppins e podemos testemunhar seu anseio de querer ver todos bem.
O que nos traz à atuação de Emily Blunt, que faz um pequeno milagre aqui ao reverenciar o trabalho irretocável de Julie Andrews, mas também de dar sua própria personalidade. Sabendo transmitir a autoridade e fineza de Poppins, vemos em pequenos gestos e olhares carinhosos uma humanidade que nos aproxima e nos faz simpatizar com a babá.
Também merece ser destacado o trabalho de Lin-Manuel Miranda, que faz do acendedor de postes Jack uma ótima homenagem ao icônico personagem interpretado por Dick Van Dyke (que realiza uma participação pequena aqui, mas bastante especial), ao passo que Ben Whishaw manifesta a melancolia de não viver com sua arte, mas um inegável e gigantesco amor pelos seus filhos.
Nos quesitos técnicos, Marshall faz uma direção corriqueira ao usar de planos abertos em boa parte do filme para evidenciar os números de dança e o cenário. Não é inovador, mas eficiente, ainda mais pelo design de produção. Seja em pequenos detalhes, como as roupas vermelha e verde de Michael Banks coincidindo com um desenho ao fundo das mesmas cores, como em sequências inteiras, como aquela que se passa dentro de um vaso. Até mesmo os figurinos dos personagens possuem uma textura de animação, mesmo se tratando de live action, o que é impressionante.
Além, claro, de ter números musicais ótimos, como a já citada sequência animada do vaso que traz novamente os pinguins do filme de 1964, como momentos tocantes embalados pela bela The Place Where Lost Things Go, ou momentos divertidos como a cena que traz a participação especial de Meryl Streep, intitulada Turning Turtle.
Ancorado por uma atuação impecável de Blunt, uma visual estonteante e músicas elaboradas, O Retorno de Mary Poppins é uma competente sequência de um antigo clássico musical, que apesar de uma falta de personalidade própria, ainda é respeitosa com o original.