O cinema contemporâneo produzido em Hollywood possui um condão para a mistura de gêneros. Essa escolha não só torna os filmes mais diversos como também garante que públicos diferentes confluam para a mesma sessão. Com isso, ficou cada vez mais comum assistirmos a longas que mesclam drama e comédia (dramédia) ou terror e comédia (terrir). Com o aprimoramento da prática, surgem filmes como Operação Overlord, que combina os gêneros de Ação, Guerra e Horror.
O título, dirigido por Julius Avery, se passa durante a II Guerra Mundial e conta a história de um destacamento do exército americano formado por Boyce (Jovan Adepo), Ford (Wyatt Russell), Tibbet (John Magaro), Chase (Iain De Caestecker), Dawson (Jacob Anderson) e Rosenfeld (Dominic Applewhite). Sua missão é explodir uma torre de controle nazista instalada numa cidadezinha da França para que os aliados possam aportar em solo europeu no Dia D. Como agravante, os soldados encontram um laboratório de experimentos biológicos abaixo da torre e precisam enfrentar zumbis extrafortes e o maléfico general Wafner (Pilou Asbaek).
Ainda que a trama não apresente grandes novidades ao público, uma vez que o cinema já trabalhou a fantasia de zumbis nazistas, o longa fornece reflexões válidas. A primeira delas é a paixão dos EUA por filmes que retratem seu exército durante a II Guerra Mundial. Diferente de conflitos polêmicos, como os do Vietnã e Iraque, os americanos têm orgulho de sua participação no Dia D. Por isso, com frequência retratam seus soldados como os heróis que salvaram a Europa do terror imposto por Hitler.
A segunda reflexão diz respeito à utilização de mortos-vivos alemães. Essa ideia é uma metáfora crítica para a ideologia nazista, que inibia a racionalidade e transformava os indivíduos em combatentes acéfalos, ansiosos por carnificina. Além disso, o conceito dos papa-cérebros da SS acentua a maldade do vilão ao demonstrar que ele não só é capaz de criar algo pior do que a si mesmo, como também consegue disseminar sua ideologia tóxica de maneira perpétua, visto que os zumbis são difíceis de matar.
Para completar, nesse tipo de história os protagonistas cativam o público de imediato, enquanto os vilões nazistas são antipatizados antes mesmo das pessoas entrarem no cinema. Tal recurso torna o trabalho do roteirista mais simples na hora de construir seus personagens. Boyce, por exemplo, é o típico soldado inexperiente que vai representar o público. As demais figuras dramáticas explicam a ele como funcionam a guerra e os detalhes do plano de maneira bem didática, para que o espectador não perca nenhum detalhe. Ainda assim, esse recurso primário de escrita não chega a incomodar e nós acabamos torcendo pelo recruta em cada passo de sua jornada.
Ao voltarmos o olhar para os elementos narrativos de Operação Overlord, a sensação é de um trabalho bem feito. A produção mescla bem seus gêneros e utiliza de maneira apropriada os clichês de cada um deles. Pelo viés da guerra temos em tela todos os elementos característicos, como a cenário de uma Europa devastada, as poucas chances de vitória e a matança desenfreada perpetrada pelos nazistas demonizados. A ação surge justamente quando os soldados americanos enfrentam os alemães com direito a explosões, tiroteios e uma vertiginosa cena inicial de batalha. Já o terror nasce no meio do segundo ato, a partir da constatação dos experimentos conduzidos no laboratório secreto. Nessa fase, o título mistura a surpresa e o suspense com eficiência, mantendo cativa a atenção do público.
A responsabilidade de uma união coesa dos diferentes estilos do filme recai sobre os aspectos mais técnicos. A mixagem de som trabalha bem os ruídos incidentais e a trilha sonora conduz explicitamente as emoções, indicando o tom de cada sequência. Aliado a isso, a câmera trabalha de maneira mista, ora destacando a bela fotografia dos cenários em guerra, ora adotando enquadramentos subjetivos nas cenas de terror.
Contudo, o longa derrapa um pouco na resolução final. O enfretamento com o vilão exige uma certa suspensão de descrença, bem como a justificativa do curioso soro de açafrão. Além disso, alguns clichês poderiam ser melhor executados como o sacrifício de personagens (comum tanto em filmes de combate quanto nos de zumbis) e o debate clássico sobre a corrupção da guerra, que pode levar a atitudes iguais às dos inimigos.
Entretanto, essas questões não comprometem Operação Overlord, que se mostra uma grata surpresa por apresentar um bom ritmo e apostar em soluções visuais efetivas. O título é uma aventura redondinha, com começo, meio e fim conectados desde a primeira até a última cena. Sob a batuta de Julius Avery, o título é um exemplo claro de que clichês bem executados dão origem a ótimos filmes. Seja qual for o gênero, ou a mistura entre eles, uma boa direção e um bom roteiro sempre farão toda a diferença.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.