A popularidade dos filmes de terror no estilo found footage ocasionou na produção de algumas obras pouco inspiradas, que somente seguem regras básicas do gênero para suscitar sustos banais. Não é o caso de Os Jovens Baumann, dirigido por Bruna Carvalho Almeida. Aqui, o inimigo não é um monstro ou um assassino. Na verdade, o inimigo não é, necessariamente, personificado em algum indivíduo. Com a subversão do gênero, a ansiedade pela solução do mistério se transforma em melancolia.

As fitas que acompanhamos são das férias de 1992 dos jovens Baumann, em Santa Rita do Oeste, Sul de Minas Gerais, antes de um misterioso desaparecimento. Eles são herdeiros de uma família poderosa da região. Além das imagens feita pelos jovens, assistimos também, já na contemporaneidade, em 2017, o relato uma mulher que é filha de um homem que trabalhou no local. Não conhecemos o seu rosto. Durante as suas falas, a fazenda é filmada em travellings harmoniosos.

O paralelo entre os dois registros evidenciam duas imagens bem distintas, apesar de filmarem a mesma fazenda. A antiga tem menos qualidade visual, devido a filmagem em VHS, o que é comum no estilo, mas apresenta uma vida pulsante devido a energia dos jovens. Já a atual é uma imagem sofisticada tecnicamente, que evidencia a solidão do espaço, tanto pelos espaços vazios quanto pela voz polida da narradora, com poucas variações de tons. A partir de seus comentários, nos relacionamos de uma maneira diferente com as imagens do passado, já que ela enfatiza não a construção de um caso policial, mas a permanência de um mistério que destruiu uma família poderosa.

Enquanto as banalidades dos Baumann continuam, e as inserções do presente retornam, percebemos aos poucos que não vamos encontrar um serial killer. O que poderia parecer falta de ritmo, se mostra como proposta sólida. As fitas então se tornam últimos registros humanos de um grupo de jovens, cuja desaparecimento, como afirma a narradora, foi rapidamente esquecido por acontecimentos como a morte de Ayrton Senna, em 1994.

Assim, a relação entre espectador e imagem ganha essa nova camada, pois nos interessamos não pela informação factual que ela vai nos oferecer sobre os personagens em cena, mas pelo simples fato de que ali são os últimos registros de jovens que desapareceram. Enxergar os últimos passos de alguém pode despertar um interesse estranho e mórbido.

Desistindo de procurar pistas, tentamos entender a personalidade dos personagens e um pouco de suas histórias. Há implicâncias com alguns, mais intimidade com outros. Entretanto, a partir dos relatos espontâneos de alguns, as suas vidas ganham significados maiores. Há um momento, por exemplo, que um dos Baumann comenta que para a construção da represa da família, uma cidadezinha foi soterrada somente com a força da água, de modo que é até possível ver cruzes de uma igreja quando o nível diminui. Outros comentam sobre cavalos que começam a correr, cachorros, ovelhas e outros sonhos estranhos.

Com esses relatos, que nunca se aprofundam e se transformam em grandes momentos dramáticos, constatamos que a banalidade dos jovens Baumann é fruto de um poder estabelecido a partir da destruição e do desequilíbrio social. Essas relações surgem, de maneira simbólica e subjetiva, devido a relatos fragmentados e enigmáticos que, apesar do tom descontraído dos Baumann, demonstram um estranhamento crescente no grupo. Solidificar mais essa mensagem poderia quebrar a espontaneidade dos relatos, no entanto deixá-la diluída enfraquece a força da sugestão. O filme encontra um meio termo interessante, ainda que o aprofundamento da dimensão social do mistério pareça possível.

Resolver totalmente o mistério dos Baumann diminuiria uma certa simbologia que o filme carrega, mesmo que de forma latente. Diante da falta de mistério, não nos interessamos necessariamente por quem matou os jovens, ou quem eles eram individualmente, mas principalmente pelo o que eles representavam. Sendo os jovens herdeiros de uma família poderosa, o desaparecimento deles ganha contornos sociais: o desaparecimento foi uma vingança do passado soterrado pelo latifúndio? A partir disso, várias interpretações, sobrenaturais ou não, podem ser feitas, principalmente considerando a enigmática última fita. O fato do espectador completar esse suspense não é problemático, mas instaura uma relação mais poderosa, e menos factual, entre o filme e o público.

*Esse texto faz parte da cobertura do Cinemascope da 13ª edição da CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte.

Os Jovens Baumann

Os Jovens Baumann

Ano: 2019
Direção: Bruna Carvalho Almeida
Roteiro: Bruna Carvalho Almeida e Larissa Kurata
Elenco principal: Anna Santos, Cainã Vidor, Daniel Mazzarolo, Eduardo Azevedo, Julia Burnier, Julia Moretti, Julio Braga, Marília Fabbro, Isabela Mariotto
Gênero: ​Horror, Found Footage
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: 3,5