Por Vinícius Gonçalves
No dicionário, a palavra “itinerante” significa “que ou aquele que transita, que se desloca, que viaja. O circo é uma instituição itinerante que peregrina com o desejo de promover seu espetáculo em diferentes lugares. Ao menos é essa definição que parece transparecer no longa-metragem, Os Pobres Diabos, do diretor cearense Rosemberg Cariry que conquistou o prêmio TV Brasil de Exibição no 46º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro em 2013. O enredo do filme versa sobre as dificuldades de produzir um espetáculo de arte, ao passo que narra os afetos e conflitos dos atores que convivem junto em uma trupe circense.
No enredo, “O Gran Circo Teatro Americano” aloca-se na cidade de Aracati, localizada no interior cearense. Os artistas têm uma missão: interpretar em uma peça teatral a chegada de Lamparina (o vilão mais temido do sertão nordestino) ao Inferno. É importante destacar que a história dramatizada na peça é baseada na escrita popular, proveniente da literatura de cordel.
No filme, é possível inferir que o roteiro dá ênfase na coletividade da comunidade artística, uma vez que os atores, apesar de todas as dificuldades, permanecem unidos pelo simples prazer em fazer arte. Nessa concepção é interessante perceber que os personagens não têm classificação predeterminada, ou seja, em uma sequência podem ser percebidos como heróis, ao passo que se convertem como em um toque de mágica em anti-heróis ou vilões, demonstrando a complexidade e profundidade das relações sociais e da vida no circo. Além disso, quase todo o filme se passa dentro da atmosfera circense, com poucas sequências em cenários diferentes deste, entretanto, essa concentração de cenas é articulada com primazia, uma vez que o diretor se utiliza de uma espécie de extraquadro (descampado) para dar fôlego à obra.
No desenrolar da obra é possível confirmar a competência de Rosemberg Cariry ao conceber um universo sígnico que transita entre a cultura erudita, popular e de massa, isto é, Cariry demonstra com esplendor a sua capacidade de articular os mais diversos territórios culturais realizando um processo antropofágico brilhante. Nesse sentido, Os Pobres Diabos dilui as fronteiras entre os níveis hierárquicos da cultura apropriando-se de elementos clássicos e populares. Essa afirmação comprova-se ao evidenciar referências à pintura renascentista italiana “A última Ceia de Da Vinci”, à música folclórica castelhana “La CuCaRaCha”, bem como a própria literatura de cordel.
Ainda, o filme toca em questões pertinentes como a situação do artista, a pobreza e a precariedade dos meios para se produzir um espetáculo independente. Essas são dificuldades concretas que a Trupe deve enfrentar para promover o seu show. Nesse sentido, a obra chega aos cinemas em um momento pertinente, uma vez que, o Brasil encontra-se em estado de crise nos diversos setores, inclusive no cultural. É possível traçar uma reflexão, baseada na analogia/metáfora em diferentes sequências como: na comunhão dos alimentos, a “divisão do ovo”, no escambo de gatos e na luta para combater à escassez de público, ou seja, esse jogo de cenas autoriza um debate sobre o que é fazer arte na condição política atual, com os cortes de verbas, a tentativa de fusão do MinC e com uma gestão cultural indefinida.
Nesse aspecto, Os Pobres Diabos atualiza uma série de questões político-culturais. Rosemberg Cariry demonstra com o seu mais recente lançamento a excepcionalidade de um diretor parcial e de um filme – aqui atribuindo ao longa-metragem o mérito de obra-prima – que se lança no tempo ganhando cada vez mais atualidade.
Os Pobres Diabos
Ano: 2013
Direção: Rosemberg Cariry
Roteiro: Rosemberg Cariry
Elenco principal: Silvia Buarque, Chico Díaz
Gênero: Comédia
Nacionalidade: Brasil
Veja o Trailer: