As questões sociais sempre foram de suma importância para o cineasta sul-coreano Bong Joon-ho. Em filmes como Expresso do Amanhã (2013) e Okja (2017), o diretor sempre evidenciou de maneira muito clara os atritos que as diferenças de classes provocam e como os privilegiados e mais abastados sempre se aproveitarão dos menos favorecidos. Em seu mais novo trabalho, Parasita, Joon-ho atinge seu auge, construindo um filme extraordinário em sua narrativa e na abordagem temática.
Desempregada, a família Ki-taek vive com enormes dificuldades financeiras. Eles moram numa casa onde as pessoas param para urinar na frente dela e eles conseguem alguns trocados montando embalagens de pizza (cuja gerente quer descontar do salário deles por algumas caixas estarem com a dobra errada). Quando o rapaz Kim Ki-woo passa a trabalhar de professor inglês para a rica família Park, ele e sua família passam a criar um plano para faturarem mais dinheiro.
Sem entregar muito do roteiro do próprio diretor e de Jin Won Han, a grande graça de se saber pouco da trama desse filme é se deixar levar para os caminhos que ela quer chegar, que são os mais improváveis e absurdos possíveis, mas de forma extremamente positiva. A cada sequência pode se esperar qualquer situação, e mesmo quando o filme parece adotar uma fórmula clara, ele entrega uma informação que muda completamente a lógica daquele universo.
Muito elegante nos movimentos de câmera e enquadramentos, que valorizam um ritmo dinâmico que compreende a energia do roteiro (são mais de duas horas de filme que passam voando), Bong Joon-ho aqui faz seu trabalho onde escancara mais os males do capitalismo moderno.
Construindo um universo onde uma família faz um brinde por terem conseguido wi-fi gratuito de algum vizinho, a família Ki-taek é o resultado da corrosão moral do que a desigualdade social provoca. Com apenas o objetivo de se darem bem, não importa como (“Não existe uma faculdade de falsificação?”, pergunta um dos personagens), a lógica e o princípio deles é o do próprio capitalismo, que é se aproveitar do outro até extinguir sua força de trabalho.
Já do outro lado da moeda, a família Park é a típica classe alta que não tem noção de nada que não seja dentro da bolha deles. Com uma ostentosa casa de teto alto (que contrasta com certo local que surge na trama) e um jardim quase paradisíaco, que é imprimido para a família Ki-taek como um olimpo, os Park têm aquela consciência típica da classe (”Ele cheira como aquelas pessoas que pegam metrô”, no que a outra personagem responde “Não sei, faz anos que eu não pego um metrô”).
O mais impressionante é como o diretor vai da comédia de costumes inicialmente (com cenas e diálogos hilários), para a ação eletrizante, para um quase terror psicológico e posteriormente para um drama desolador. Nunca soando como uma colcha de retalhos, Joon-ho forma uma unidade muito bem amarrada, montando um universo exclusivo e que sempre arrebata.
Trazendo um paralelo bárbaro com o clássico Metrópolis (1927) de Fritz Lang, onde os ricos vivem um hedonismo nos céus e os pobres se digladiam no subsolo, Parasita é genial até mesmo em seu título: se inicialmente pensamos que o título se refere ao comportamento dos Ki-taek com os Park, no final entendemos que quem se apropria do outro são os vários Park do mundo que se aproveitam e se alimentam dos desprovidos, renegados a viverem embaixo da terra, escondidos no mundo.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.