Por Guilherme Franco
Alguns atos geram sistemas complexos em uma sociedade. Um estupro pode ser enxergado como uma volta do ser humano às suas raízes mais pré-históricas. Ações manifestadas em forma de caça e de sexo, que numa representação audiovisual podemos ver a animalização do homem e a expressão de desespero. Filmes como Paulina vem para mergulhar nesse mar de machismo e misoginia, que é a sociedade humana, em sua maioria até os dias de hoje.
Paulina (Dolores Fonzi) é uma mulher que está com a vida feita, advogada e filha de juiz prefere desistir da carreira e da cidade grande para ser professora de jovens em uma cidade do interior da Argentina. Mesmo com insistência do pai, a protagonista se mostra forte e ainda rebate velhos clichês e hipocrisias de militantes ao dizer frases sobre ele como: “Ressentido, pessimista e conservador”, “Você se mostra um progressista, mas só se importa com o que tem”. Ao chegar lá, é recebida com desprezo pelos estudantes, o que acontece também em filmes como A Lição. Um determinado dia, voltando da casa de sua amiga é abordada por um grupo de homens que a violentam.
O filme contém uma forma de narrativa diferente, mas que não estranha. Se tratam de cenas que voltam e se repetem, mas da segunda vez contam a história na perspectiva de outro personagem, com planos e direção diferenciadas. Mesmo com essa repetição, a montagem ficou dinâmica e rápida e não cansativa. Sobreposta às cenas, há o áudio de uma entrevista realizada com a personagem na delegacia por uma mulher e não as que foram feitas por policiais.
A cultura do estupro, tão latente na mídia atual, é mostrada extensamente no filme, exemplificando o que acontece antes do ato, durante e depois. A forma com que a vítima é culpabilizada, pela forma que estava vestida, o que tinha se alimentado, a hora que estava andando e tudo detalhado para no final dizer: “ah, assim pediu para ser estuprada”. O filme trabalha com impulsionador desta discussão que está começando a ser usada para colocar em foco a realidade do preconceito, machismo e muitas outras formas de opressão.
De maneira rápida e orientada, destaca a injustiça e a culpabilização da mulher, mas também exibe o contexto em que determinadas violências ocorrem. A população local é pobre e desfavorecida, e o longa mostra como muito do preconceito provém da falta de educação e conhecimento. Jovens que simplesmente dão continuidade ao legado de opressão da mulher, do feminino. É preciso emponderamento e, acima de tudo, cultura para sair da zona conservadora e cômoda. Como uma forma de tentar entender toda a situação em que estava, Paulina tenta estabelecer diálogo com seu violentador, e apenas é desentendida, gerando raiva de quem não a compreende.
O filme é uma coprodução Brasil e Argentina, mas tem a presença predominante de traços do país dos hermanos. A trilha sonora e fotografia foram singularmentes trabalhadas. Em época de crise e desconstrução de algumas permanências, Paulina aparece para ficcionalizar muitas das realidades existentes.
Ano: 2016
Direção: Santiago Mitre
Roteiro: Mariano Llinás, Santiago Mitre
Elenco Principal: Dolores Fonzi, Oscar Martínez, Esteban Lamothe, Cristian Salguero
Gênero: drama
Nacionalidade: Argentina
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