Uma mão percorre a cidade de Paris, em busca de seu corpo. A fantástica premissa de Perdi Meu Corpo/J’ai perdu mon corps, produção da Netflix indicada ao Oscar de melhor animação de longa-metragem, não dá conta da experiência poética que aguarda o espectador desse filme, acompanhando a história do jovem Naoufel.
Enquanto a mão decepada tenta “sobreviver” a atropelamentos, ratos e pombos, em busca do que lhe falta, vamos descobrindo um pouco de suas memórias. Incrivelmente consciente, ela é por si só a protagonista do filme, embora pertença a um rapaz de vida conturbada. De seu dono, não sabemos muito: em preto e branco, vemos apenas breves vislumbres de fatos isolados de sua infância.
Naoufel, um menino de origem africana, perde os pais de maneira trágica e passa a morar na França com um parente distante. Já na adolescência, mesmo sonhando em ser astronauta ou pianista, acaba se tornando entregador de pizza. É em uma dessas entregas, que culmina em uma longa conversa via interfone, que ele conhece Gabrielle, por quem se torna ligeiramente obcecado.
Mas Perdi Meu Corpo não se trata simplesmente do comportamento de um stalker. O filme fala de desencontros, do que nos une ou separa, da necessidade de criarmos conexões. A cena em que Naoufel e Gabrielle conversam pela primeira vez, por exemplo, é de uma delicadeza melancólica que faz transparecer toda a solidão dos dois personagens.
Em uma narrativa não linear, que mistura passado e presente, os fatos vão se desenrolando de maneira surpreendente e intensa. Em Perdi Meu Corpo, seu longa de estreia, o diretor e roteirista Jérémy Clapin adaptou livremente – e de maneira muito sensível – o romance Cadre rouge, de Guillaume Laurant. Com uma trilha sonora impecável, que imerge o espectador nas lembranças, emoções e sensações de Naoufel, a animação é uma verdadeira viagem para dentro de alguém que vivenciou dores, perdas, expectativas e sonhos.
A jornada de Naoufel para conhecer e conquistar a mulher por quem se apaixonou espelha a jornada de sua própria mão para encontrá-lo. Paralelamente, a jornada do espectador é compreender o que causou essa separação, juntando os fragmentos que compõem a narrativa dos personagens, como um quebra-cabeças. Nada é apressado ou superficial. A intenção não é entreter, mas tocar lá no fundo. É como se a mão pudesse ultrapassar a tela para se aninhar em nosso peito, sentir as batidas do coração… e finalmente se encontrar.