É importante começar essa crítica com um mea culpa: Jane Austen é a minha escritora favorita e eu tenho sentimentos muito fortes pela sua obra como um todo. Tirando isso do caminho, vamos falar de Persuasão (2022), novo filme da Netflix baseado no último livro escrito pela autora e estrelado por Dakota Johnson.

Austen é conhecida pela sagacidade e vivacidade de suas personagens femininas e com Orgulho e Preconceito sendo sua obra mais conhecida do grande público existe a tentativa de se colocar todos os seus outros romances dentro desse mesmo modelo mas, como a grande escritora que foi, os livros de Jane Austen são todos muito diferentes e talvez Persuasão seja a sua obra mais introspectiva. 

A história gira em torno de Anne Elliot (Johnson), uma jovem de 27 anos que desistiu de se casar com o amor da sua vida, Frederick Wentworth (Cosmo Jarvis), por conta da opinião das pessoas ao seu redor. As personagens secundárias continuam sendo um alívio cômico e por vezes um contraponto ao sofrimento e melancolia da protagonista, a crítica à sociedade da época segue presente e intrínseca durante toda a história.

O filme, que é dirigido por Carrie Cracknell, começa com Anne narrando o fato de não ter aceito a proposta de casamento de Wentworth 8 anos antes e ela segue narrando e apresentando a sua família enquanto a cena acontece, olhando diretamente para o público.

A ideia da quebra da quarta parede dentro de filmes e séries não é uma novidade, mas nem sempre ela é bem utilizada. Recentemente a série Fleabag fez um uso brilhante da técnica, usando a dinâmica para avançar a história e ajudar o público a entender onde a mente da personagem estava dentro daquele momento sem uma exposição desnecessária – nós acompanhamos a personagem com ela sabendo que estamos ali, e nem por isso ela passa horas nos contando os pormenores da história, muito pelo contrário. Ela tenta a todo momento se esconder e esconder o que ela fez ou o que aconteceu, e isso faz com que a narrativa siga de maneira fluida. 

Cracknell tenta transmitir uma leveza e irreverência para a história de Persuasão, e para Anne, com esses recursos narrativos que não combinam com o teor e peso do romance. E eu não estou falando de ser fiel ao livro, existem milhares de adaptações que mudam o cenário, o tempo, as falas, mas a essência da obra permanece. As adaptações feitas durante os anos 2000 com obras literárias em contextos adolescentes como 10 Coisas que eu Odeio em Você (1999) e Segundas Intenções (1999), por exemplo, mudaram completamente a linguagem utilizada sem perder o foco da obra sendo trabalhada.

Anne Elliot é uma mulher que observa, ela nota todas as interações à sua volta e presta atenção nos mínimos detalhes, ela sabe que as palavras têm um peso diferente e toma cuidado ao falar e ao ouvir o que é dito. Ela não é rápida no seu julgamento como Lizzie Bennet em Orgulho e Preconceito e nem inocente ao extremo como Marianne Dashwood em Razão e Sensibilidade. 

É importante lembrar que a história gira em torno de Anne e que ela é a espinha dorsal do filme, para além do romance com Wentworth. A indignação com a sua família e convenções sociais decadentes, o ideal do casamento e como ele deve ser almejado pelas mulheres, a noção do amor romântico e o companheirismo que acompanha um relacionamento – tudo isso passa pela ótica de Anne, mas não vemos isso durante o novo Persuasão

Caso a ideia fosse o romance perdido, a percepção da memória sobre o que é passado e presente, o sonho do futuro inatingível, a perda das conexões que um dia foram tão fortes, o olhar cruzado dentro de uma sala cheia de pessoas… Infelizmente a escolha de transformar Anne em uma personagem irônica e um pouco embriagada demais não faz com que possamos sentir esse desejo, essa vontade de estar com a outra pessoa, essa conexão de almas que o livro trás com perfeição. 

A verdade é que o filme quer atingir um público novo e tenta simplificar uma história que já era simples – mas que tem personagens e nuances muito bem definidas – e falha miseravelmente. O longa parece querer pegar carona no sucesso de Emma (2020), dirigido por Autumn de Wilde, que conseguiu transpor um ar de jovialidade para o filme com as suas cores e estética apurada. 

Infelizmente Persuasão não impressiona na escolha da linguagem, que não condiz com as emoções que o filme quer transmitir – até por que essas emoções não ficam claras em nenhum momento durante os seus 100 minutos de duração.

Persuasão

 

Ano: 2022
Direção: Carrie Cracknell
Roteiro: Alice Victoria Winslow
Elenco principal: Dakota Johnson, Cosmo Jarvis, Richard E. Grant
Gênero: ​Drama, Romance
Nacionalidade: Estados Unidos

Avaliação Geral: 2