O parto humanizado domiciliar tem estado bastante em pauta. Diversas famosas optaram por terem seus filhos longe de um hospital, dentro da própria casa. Tal escolha, quando não acompanhada por pessoas preparadas e profissionais, tem riscos. É quando um desses partos não dá certo e a criança acaba morrendo pouco tempo depois de nascida que se inicia a história de Pieces of a Woman (2020). O filme é um original da Netflix dirigido pelo hungaro Kornél Mundruczó.
A produção começa com uma cena tensa do parto de Martha (Vanessa Kirby), com o apoio de seu marido Sean (Shia LaBeouf) e da parteira Eva (Molly Parker). A cena é toda filmada num plano sequência maravilhosamente bem executado e que nos deixa tão nervosos quanto os próprios personagens. Trocas de cômodos, expressões tensas e palavras de desespero de uma mãe prestes a dar um filho, compõem essa cena que já nos deixa com o coração na mão por ela. Aliás, planos sequências e planos longos aparecem em diversos outros momentos do filme e também de forma muito bem executados.
Depois desse momento trágico, acompanhamos a saga de Martha para lidar com as consequências do acontecimento. O destino do corpo do bebê, se a parteira deve ser processada ou não e como conviver com um marido abalado e a ponto de explodir são alguns dos problemas que ela enfrenta. Mas o que a personagem parece buscar de verdade é a liberdade de decidir por ela mesma as decisões que cabem a ela e passa o filme todo tentando alcançar isso.
O que mais aparece nesse trajeto são os famosos “casos de família”. Aquela porção de pessoas que a gente conhece desde sempre, cada uma com seus desejos e traumas pessoais e que muitas vezes querem ajudar, mas acabam sendo vilãs. É o caso da mãe de Martha, Elizabeth (Ellen Burstyn) que parece ter boas intenções para ajudar a filha, mas muitas vezes a atrapalha num momento tão delicado. Elizabeth é quase uma síntese de que nas relações familiares não existem heróis e vilões tão claramente. Que essas pessoas que habitam nossa vida quase do início ao fim, estão muitas vezes numa zona cinzenta que torna difícil qualquer decisão de exaltar a voz ou tratá-los com carinho.
Um trabalho interessante nesses momentos é o do figurino que funciona de acordo com as emoções dos personagens, principalmente da protagonista. A primeira vez que Martha vai ao trabalho após a licença do parto mal sucedido, ela está vestida de um casaco pesado e num vermelho muito vivo. É possível ver nos seus olhos a raiva não direcionada a uma pessoa em específico, mas ao fato ocorrido. Quando chega ao escritório, ela desconta toda a raiva acumulada em um funcionário que estava ocupando a sua mesa. No oposto disso, em momentos de mais calma ou em momentos tensos em que ela está num estado de espírito mais controlado, seu traje tem cores azuis e ela se mantém mais calma diante das situações.
Uma curiosidade é que quem interpreta o personagem Chris, é Benny Safdie. Ele é diretor junto com seu irmão Josh, que forma a dupla conhecida como os irmãos Safdie. Eles dirigiram sucessos indie recentes como Bom Comportamento (2017) e Jóias Brutas (2019). Esse último, protagonizado por Adam Sandler, também foi lançado diretamente na Netflix.
Pieces of a Woman (pedaços de uma mulher em tradução livre), como o próprio título diz, conta a história de uma mulher que tenta juntar os seus pedaços após um acontecimento tão trágico ocorrer em sua vida. As relações familiares e toda complexidade que elas carregam são os principais desafios da personagem. Mãe, marido e primos, até que ponto eles são de grande ajuda ou apenas atrapalham mais momentos tão delicados quanto esse? A busca dessas respostas é complexa e ao mesmo tempo com uma precisão técnica que enche os olhos e deixa um sabor agridoce para o espectador.