Esses dias, me peguei pensando no poder que tem uma história bem contada. Não é novidade para ninguém – a menos que o caro leitor seja um negacionista – que estamos passando por momentos tenebrosos desde pelo menos o final de 2019.

Vivemos uma distopia. Então, diante do horror que agora faz parte da nossa realidade, o que resta, quando recorremos ao cinema? Para mim, precisamos cada vez mais colocar fé em acontecimentos utópicos. O futuro não é o apocalipse, é o sonho. Por isso, valorizo cada segundo deste filme.

Pinóquio chega ao cinema aqui no Brasil sem efetivamente chegar ao cinema. Não aguento mais colocar a culpa de tudo na pandemia, mas há verdades que, muitas vezes, por mais difíceis que sejam de serem ouvidas, são incontestáveis.

Há quem prefira o tipo de cinema que coloca o dedo na ferida, que expõe as mazelas e cicatrizes da sociedade sem medo de colocar na tela grande cada ponto fora da curva que a humanidade percorreu. Sinto que o Lars vai um pouco por aí, pra citar um conhecido e contemporâneo.

Mas depois de viver 2 anos numa situação pandêmica, a pergunta que fica na minha cabeça é: ainda teremos paciência e estômago para assistir a alguma produção que toque em lugares ainda tão sensíveis quanto os horrores distópicos do início do século XXI?

Quando comecei a assistir à nova versão de Pinocchio, me apaixonei imediatamente. Não por se tratar de um universo infantil ou fabular, mas sim porque, a seu modo, é um filme que toca em questões profundas, mas sem todo sangue na tela.

É emocionante do começo ao fim. E fala sobre medo, sobre responsabilidade, sobre morte, sobre infância, sobre abuso de autoridade, sobre tantas coisas e tantos valores que deixamos para trás ou consumimos num filme sempre carregado de tinta.

Roberto Benigni poderia ser citado como a pérola do filme no papel de Gepeto, mas apesar de o elenco adulto ser excepcional, o verdadeiro brilho fica sob responsabilidade dos olhos do menino Pinocchio, o jovem ator Federico Ielapi.

Benigni, contudo, traz a leveza, o respiro, o olhar e o corpo do palhaço em cena – alguém que vaza emoção simplesmente por estar presente no quadro.

O elenco infantil também é precioso – meninos cheios de molecagem e brincadeira, fazendo com que o frescor de cada cena coletiva apareça com graça e alívio cômico.

Durante minhas pesquisas, encontrei muitas discussões que levantam a questão: será que este é um filme para crianças? E eu devolvo a pergunta: por que não seria? Que tipo de material nossas crianças andam consumindo nas redes e nos streamings por aí? Será que estamos assistindo a uma geração que não é capaz de elaborar metáforas, de lidar com assuntos assustadores? Peppa Pig ensina a saltar sobre poças de lama e isto é ótimo, mas será que há espaço para vivenciar – através da arte – a morte, o medo, a tristeza, o sarcasmo, a confusão, a solidão, o engano? Não são também todos estes temas fundamentais para o desenvolvimento psíquico do ser humano?

Eu gosto das escolhas desta versão do filme justamente por isso: há temas mais profundos do que qualquer produção considerada “infantil”.  Aliás, muitas vezes os significados são deixados em aberto, as cenas não fecham e deixam espaço para a imaginação.

Que alívio ter espaço para imaginar! E que presente é essa direção de arte! O trabalho com os bonecos é precioso, cuidadoso em cada detalhe! O que aliás se estende para os sets, para a escolha das locações, para o figurino e a maquiagem. É tudo impecável.

A jornada do boneco que deseja virar um menino de verdade ganhou uma roupagem nova, cheia de carinho e cuidado e que merece muita atenção. Vale o ingresso e valem as duas horas de filme.

Sonhar é preciso.

Pinóquio

Pinóquio

Ano: 2019
Direção: Matteo Garrone
Roteiro:Carlo Collodi (livro), Matteo Garrone, Massimo Ceccherini.
Elenco principal: Federico Ielapi, Roberto Benigni, Rocco Papaleo, Massimo Ceccherini, Marine Vacth.
Gênero: ​Fantasia, Drama, Família
Nacionalidade: Itália, França, Reino Unido

Avaliação Geral: