Por Domitila Gonzalez

Por vários motivos, adiei a crítica de Polissia. Por uma questão de agenda minha, de data de estreia adiada e por não ter muita coisa falando sobre ele na imprensa brasileira. Eu não sabia o que pensar e a ideia de criticar um filme começando do zero me deixa um pouco aflita. Até o começo dessa semana, não havia ouvido falar da diretora e roteirista Maïwenn e muito menos de seu último filme, Le Bal des Actrices (2009). Mas como as últimas críticas que fiz para o site foram de longas franceses, resolvi dar uma chance ao filme.E é isso que eu tenho para dizer: deem uma chance ao filme.

Eu não diria que ele é um documentário, mas também não o classificaria como drama. Acho que é algo que está entre os dois gêneros, uma coisa mais híbrida. E já te digo o porquê: para produzi-lo, a diretora demorou muito tempo, porque estava atrás de uma autorização específica para acompanhar a rotina da Brigada de Proteção aos Menores de Paris (BPM). Uma vez com a autorização, Maïwenn passou a ouvir e participar de uma série de acontecimentos dentro do dia a dia desse pessoal: policiais, adolescentes, crianças, pais, ciganos romenos e famílias inteiras compartilhando assuntos como pedofilia, abuso de trabalho e exploração do menor.

Em se tratando de um filme baseado em fatos reais, e, segundo a própria Maïwen, contendo tudo o que ela presenciou ou ouviu na BPM, não é algo para ser visto acompanhado de meu querido amigo: balde de pipoca. O ritmo é frenético e muita concentração é necessária para não deixar escapar detalhes importantes para o entendimento do filme.

A narrativa não linear, quando bem feita, me agrada demais. Junto com o ritmo, são coisas que acabam forçando essa concentração por parte do espectador, que tenta se lembrar de tudo o que viu, resgatando a história o tempo todo. Não foi à toa que as duas horas de projeção ganharam o César de 2012 para Melhor Montagem. A edição pode salvar ou condenar um trabalho. Nesse caso, ponto para a equipe – não há nada mais delicioso do que ver transições no tempo da música.

Mais uma das coisas que me deixou em dúvida sobre o gênero do filme foi a quase ausência de música. Os silêncios são constantes, interrompidos por reações exageradas e melodias pontuais que dão o tom denso e forte à situação proposta.

Denso. Boa palavra para definir o conteúdo de Polissia. Maïwenn foi esperta ao reunir novamente boa parte do elenco de Le Bal para sua nova montagem. Como os personagens de mais destaque (em primeiro plano) acabam sendo os policiais, vemos uma equipe extremamente integrada e competente. Não somente de personagens, mas de atores. É como ver Johnny Depp e Tim Burton trabalhando juntos. A coisa simplesmente flui. Você pode até não saber o porquê, mas sabe que tudo acontece.

Em Polissia é assim: tudo acontece. O mais instigante é que, juntamente com Emmanuelle Bercot (Os Infiéis), a jovem diretora e roteirista conseguiu trazer a complexidade das relações vítima-“criminoso” e trabalho-família. É interessante observar também que nada é explícito. Diferentemente de Elles ou dos filmes de Lars Von Trier, a única cena de sexo que aparece é uma tentativa do casal de recuperar sua rotina. O que é uma peculiaridade, porque um filme sobre estupros e abusos sexuais de crianças facilmente cairiam na tentação de chocar o público com cenas fortes.

Se quer saber, uma das cenas mais fortes não é de sexo e muito menos envolve o assunto, mas sim sobre uma mãe negra imigrante que está na rua há muito tempo e pede para que a BPM dê um destino melhor para seu filho pequeno. A separação dos dois é uma das coisas mais intensas que vi, ultimamente.

Aliás, é um detalhe importante: o menino não é ator. O que só me leva a mais uma reflexão: como se prepara uma criança para gravar uma cena dessas? Se repararem direito, quase não há cortes…

Outra coisa que me chamou a atenção foi a atuação de Joey Starr. Corrijam-me se estiver errada, mas ele é um astro da música francesa. Atuando. E atuando bem! Não houve nenhum minuto em que eu não tenha sido convencida por ele. Quer dizer, teve um beijo dado em Melissa (Maïwenn) no carro que deixou escapar uma língua bandida ali no meio, mas OK, pode ter sido uma opção da diretora.

Daí eu penso (de novo): Justin Timberlake, senta lá, benhê. Depois a gente conversa.

Além da questão óbvia de abuso de crianças, o filme também ressalta outros temas. Quando você pensa que uma menina chupou três amigos porque eles estavam com seu celular – SMARTPHONE – de refém, você começa a refletir sobre a banalização da sexualidade. Ou quando há uma discussão de dois muçulmanos sobre o Alcorão, uma mulher policial (atenção!) e um homem, você percebe as sutilezas escondidas sob o olhar potente da diretora francesa, que confunde, mais uma vez, ficção e realidade, ao interpretar uma fotógrafa que acompanha a rotina dos policiais.

Prêmio do júri em Cannes (2011), Polissia é tem uma trama bem tecida, complexa e densa. Mais uma vez, o cinema francês nos presenteia com exímios atores e relações complexas.

Vale o ingresso, mas lembrem-se: sem a pipoca.

 

Cinemascope---Polissia-PosterPolissia (Polisse)

Ano: 2011

Diretor: Maïwenn.

Roteiro: Maïwenn, Emmanuelle Bercot.

Elenco Principal: : Karin Viard, Marina Foïs, Nicolas Duvauchelle, Maïwenn.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: França.

 

 

 

Veja o trailer:

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