Por Rafael Ferreira

Poucos se lembram quando no lançamento de A Paixão de Cristo (2004), Mel Gibson tinha pretensão de fazer uma série de filmes bíblicos com o mesmo realismo e crueza. Sabe-se lá o que poderia surgir a partir desta ideia, quem sabe a história de Caim e Abel renderia um filme bem gore, ou talvez um filme sobre o Apocalipse dirigido por James Wan. Fato é que Gibson popularizou o subgênero, que rendeu obras como Noé (2014, Darren Aronofsky), Êxodo: Deuses e Reis (2014, Ridley Scott), e o infame Os 10 Mandamentos, O Filme (2016, Alexandre Avancini, produção da Rede Record), e com certeza mais filmes virão. A seqüência não oficial do filme bíblico de Gibson veio um pouco tarde – embora tenha sido lançado numa data propícia, aproveitando a páscoa – e não emociona.

A história de Ressurreição se passa nos quarenta dias que seguem a morte de Cristo, mostrada a partir do olhar de Clavius (Joseph Fiennes), um poderoso Tribuno romano, ele e seu assistente Lucius (Tom Felton) são encarregados de investigar o mistério do que aconteceu com o corpo de Jesus – Yeshua – nos quarenta dias que seguem a crucificação, com o objetivo de refutar os rumores do surgimento de um messias e evitar uma rebelião em Jerusalém.

Os eventos envolvendo a ressurreição de Cristo separam os céticos dos crentes, é justamente o que qualifica a fé de uma pessoa, assim, o filme deveria assumir uma das vertentes: ou tratar os eventos como algo dúbio; ou confirmar que Yeshua é um ser divino capaz de operar milagres; ou na melhor das hipóteses, ser imparcial, para que o público tire suas próprias conclusões. Até certo ponto esta imparcialidade pode ser constatada, mas a partir do momento em que o diretor Kevin Reynolds assume uma posição, ele se perde, simplesmente por não saber explorar bem as ferramentas que o cinema proporciona.

A fotografia é pouco inspirada, em uns dois momentos no filme eu me peguei pensando “essa fotografia é bonita”, o primeiro quando o Tribuno interroga Maria Madalena, os dois são vistos um de frente para o outro, apenas em silhueta, e ao fundo uma janela com cobogó, e o outro momento quando Clavius e os discípulos estão no Mar da Galiléia esperando a chegada de Cristo, novamente mostrada em silhuetas sob um céu noturno. Assim como a fotografia, os cenários também são pouco inspirados, os paredões, tanto no Calvário – por sinal, feio, comparado a outras cenas da crucificação que já vimos em pinturas, e outros filmes – quanto dentro das muralhas durante um interrogatório passam a sensação de repressão. Os símbolos cristãos são poucos durante o filme, o que é um bom sinal, pois não o deixa propagandista, o plano final, por exemplo, vemos o personagem de Joseph Fiennes através de uma janela cuja grade tem o formato de cruz, representa essa divisão entre crença e não crença.

Os aspectos positivos do filme param por aí, A Ressurreição conta com momentos constrangedores de falta de coesão dos personagens. Clavius, que deveria ser um homem descrente que descobre sua fé, não é totalmente cético, pois o mesmo diz que reza para o Deus Marte (o deus da guerra) todas as noites antes de dormir, tornando o arco dramático do personagem falho, ele apenas substituiu um deus pelo outro. Em outro momento, Pedro, que deveria ser um homem benevolente, ao leva água para o Tribuno, e pensando ser uma tentativa de ataque reage com sua espada, revoltado, Pedro despeja toda a água do cantil no chão do deserto, para que Clavius não a tome, e pra completar, a maneira que Pedro compartilha seu pão com o Tribuno, com total descaso, é uma atitude estranha para um representante da fé. A representação dos discípulos é algo que incomoda, Bartolomeu, por exemplo, é um jovem impressionado, sempre sorridente, como se não levasse à sério as situações diante de si. Mas a pior representada é Maria Madalena, que mesmo depois de vários livros tentando desfazer essa visão criada erroneamente de que ela era prostituta, o diretor ainda tem a audácia de colocá-la como uma “mulher da rua” nas palavras de um dos personagens.

De um modo geral, o filme falha em convencer sobre o seu ponto de vista. Eu me lembro de que quando criança, o cinema me fez acreditar que dinossauros podiam ser clonados, isso porque estava vendo-o diante dos meus olhos fortalecendo a ilusão do cinema, mas aqui todas as oportunidades que o filme tinha para usar efeitos especiais (no seu auge) e nos convencer do seu ponto de vista, foram desperdiçadas, na primeira aparição de Cristo após a sua morte, ele desaparece num jump cut; se há um momento nessa história em que eu ansiava ver bem executado, seria Yeshua andando sob as águas do Mar da Galiléia, neste momento até Pedro questiona sua própria fé, mas no filme, este momento foi limitado a Yeshua caminhando na margem – na areia; a última chance que o filme tem de nos convencer na divindade de Yeshua seria ao curar um leproso, e novamente decepciona, pois a cura acontece num jump cut.

O personagem de Joseph Fiennes, embora tenha passado por uma mudança de dentro para fora, assumindo sua crença compreende as implicações que a doutrina traz – cujo conflito é construído para um terceiro ato, mas não chega a ser concretizado – e decide não tomar partido. Para o público, o cético vai permanecer cético, e o crente vai permanecer crente. Em dado momento, Clavius se questiona se poderia estar errado ao acreditar no divino, e se sente ameaçado por esta ideia, eis o momento para ser mais ousado e levar o público a fazer a mesma indagação, mas de forma conservadora, o filme se esquece que precisaria apresentar os motivos que o levam a duvidar do milagre, já que ele o testemunhou.

 

Ressurreição poster

Ressurreição (Risen)

Ano: 2016

Direção: Kevin Reynolds

Roteiro: Kevin Reynolds, Paul Aiello,

Elenco principalJoseph Fiennes, Tom Felton, Peter Firth.

Gênero: Ação, aventura, drama, mistério.

Nacionalidade: EUA.

 

 

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