Nos primeiros minutos de Roman J. Israel, Esq., a obra aparenta ser um drama de tribunal edificante, que irá retratar o processo de superação de um advogado idealista e competente, mas que nunca teve sua grande chance na vida. No entanto, em seu segundo filme, após a estreia como diretor em O Abutre, Dan Gilroy subverte esse gênero e apresenta um estudo de personagem intrigante, expondo como o peso da burocracia pode sufocar os sonhos e principais objetivos de um advogado experiente, além de fazer uma incisiva crítica a estrutura em volta dos processos criminais, já que raramente um caso chega a ser ouvido em um julgamento no tribunal. Com a inserção de elementos de suspense, o filme prende a atenção do espectador, porém sem necessariamente apresentar os momentos ou casos mais fascinantes da vida de um advogado. Assim, quebrando as expectativas positivamente, o filme de Dan Gilroy ganha um peso maior ao ser um exemplo de como a vida pode ser frustrante por mais que se tente, durante muito tempo, evitar que ela não seja uma decepção. E mesmo assim, em um jogo levemente paradoxal, Roman J. Israel, Esq. ainda consegue inserir uma dose de esperança, mas sem apelar para grandes vitórias ou momentos catárticos.
O filme começa com o ataque cardíaco do advogado William Jackson, dono e principal figura pública de um pequeno escritório de advocacia de Los Angeles. Então quem assume, temporariamente, as suas tarefas é o seu sócio Roman J. Israel, que esteve sempre nos bastidores do escritório, produzindo memorandos e documentos e fornecendo conselhos jurídicos a William. O personagem de Denzel é essa figura de bastidor, com uma impressionante memória e conhecimento sobre leis, mas que não tem muita habilidade com as pessoas no dia a dia. Após o infarto de William, o seu escritório é fechado e Roman é chamado para trabalhar pelo jovem, mas já bem sucedido, George Pierce (Colin Farrell), ex aluno de William, e membro de um grande escritório de advocacia. Relutante em aceitar o emprego, já que Pierce representa justamente tipo de advogado ganancioso que ele critica, Roman procura vários outros empregos, conhecendo nessa busca Maya Alston (Carmen Ejogo), que é responsável pela sede de um centro ativista em Los Angeles. Mesmo sem conseguir o emprego, ela mantém contato com o Roman, que, depois, acaba aceitando a proposta de Pierce. Sempre dedicado, porém muito fechado, o advogado perde um caso devido a essa falta de tato. A derrota tem implicações trágicas em sua vida, com o filme seguindo mais o caminho do suspense.
Mesmo com essa transformação, é interessante notar que a força do filme não está na revelação de alguma informação ou na forma como será realizado o desfecho. Esses aspectos prendem a atenção do espectador, ainda que algumas situações sejam trabalhadas com um certa obviedade, como quando a vida de Roman começa dar certo. O problema é que ela dá certo demais, deixando claro que alguma coisa deve dar errado a qualquer momento. Há também alguns momentos repentinos e pouco desenvolvidos, como quando o protagonista explica a Pierce, pela primeira vez, o seu sonho de realizar uma ação judicial coletiva, a partir de informações coletadas, denunciando a arbitrariedade dos processos criminais, nos quais as pessoas são forçadas a se declararem culpadas pois têm medo de pegarem penas maiores, sendo assim quase nunca ouvidas realmente. Esse processo resultaria um nova era da reforma social, para utilizar expressões de Roman. No entanto, tal explicação acontece abruptamente, na calçada do escritório onde trabalha, e a escolha de Pierce como um aliado não tem nenhuma grande motivação. No entanto, apesar de não ser tão bem trabalhada, essa cena demonstra justamente a angústia de Roman naquele momento, pois ele começa a perceber que seu longo esforço pode dar em nada, o fazendo buscar desesperadamente alguém que fique ao seu lado.
O filme ganha destaque quando esse desequilíbrio ganha contornos graves, se tornando desesperançoso e desesperador: desesperança porque, em alguns momentos, Roman olha cinicamente para todo o seu passado marcado por integridade; e desespero porque, em outros momentos, diante da angústia, ele toma meio de decisões irreversíveis. Em relação a essa atmosfera, o filme me lembra O Veredicto (1982), de Sidney Lumet, que é muito mais um drama de tribunal do que Roman J. Israel, Esq., mas também subverte o gênero ao ser mais um filme sobre um advogado cansado em busca redenção, do que necessariamente sobre um grande caso. No filme estrelado por Paul Newman, o seu personagem é um homem alcoólatra, o que torna a sua busca triste, mas não desesperançosa – pelo menos durante grande parte do filme. O caso de Roman é diferente pois ele sempre lutou contra injustiças. O personagem não busca uma redenção, mas uma validação, o que é muito mais agoniante.
A perfomance de Denzel Washington é um dos elementos principais na construção desta atmosfera, justificando a sua indicação para melhor ator no Oscar 2018. E levando em conta que os espectadores já conhecem o tipo de personagem que o ator geralmente interpreta, a construção de Roman feita por ele é surpreendente. A caracterização foi intensa: o personagem de Denzel é corpulento, usa óculos enormes, tem cabelo grande, dentes da frente separados e um andar desajeitado. Tanto a timidez quanto a grande inteligência são personificadas na forma como ele se comunica com as pessoa, com a sua fala levemente balbuciada, mas transmitindo várias informações continuamente, além de, algumas vezes, evitar contato visual. É nítido o trabalho de desconstrução da figura de Denzel, que geralmente parece estar em boas condições nos seus personagens. No entanto, mesmo que Roman esteja longe de ser um galã, ele ainda transmite um certo carisma, consequência da seriedade de Denzel, que não deixa seu personagem cair na caricatura. A intensa admiração que Maya passa a sentir por Roman não parece forçada pois o personagem realmente tem essa faceta admirável, ainda que rodeada por defeitos ou quebras de padrões. Inclusive, um dos momentos mais tocantes do filme é o primeiro encontro entre os dois, quando Roman inicia, repentinamente, uma espécie de entrevista de emprego, fornecendo seu currículo e falando sobre sua trajetória. Ele então começa a mexer no rosto e no nariz intensamente, enquanto Maya fica assustada. O espectador também demora alguns segundos para perceber que Roman está chorando. Sabiamente, a câmera não se aproxima em um primeiro plano apelativo mostrando lágrimas transbordando, mas fica bem distante, deixando Denzel praticamente se cobrir com as mãos, demonstrando a sua posição vulnerável naquele momento.
No filme de Dan Gilroy não há um grande vilão ou antagonista. George Pierce, que seria o típico advogado rico sem valores, já apresenta, desde o inicio, uma singela admiração por Roman, ainda que o personagem busque objetivos lucrativos. No entanto, ele não é tratado como alguém ganancioso, porém mais como um advogado bem sucedido e eficaz que encontra no personagem de Denzel uma forma de resgatar, sutil e gradativamente, valores de seus passado. Em uma performance contida, mas convincente, de Colin Ferrell, o seu personagem ganha contornos inesperados. Dito isto, o principal vilão de Roman J. Israel, Esq. é o próprio tempo e constatação de que podemos não conseguir mesmo que tentemos. Se o espectador sentir uma empatia por Roman e se colocar no seu lugar – não como um advogado, mas como um indivíduo assombrado pela possibilidade de fracasso no final da vida, mesmo que tenha sido íntegro e correto anteriormente – a experiência com o filme pode ser impactante.