Até aqui tudo bem. É a sensação que fica ao assistir à segunda parte da trilogia slasher da Netflix, Rua do Medo:1978 – Parte 2 (2021). Como o próprio título indica, voltamos ao final da década de 1970 em busca de respostas para o gancho que Rua do Medo: 1994 – Parte 1 (2021), havia deixado. Mesmo com o caso sendo aparentemente resolvido, ao final do filme Sam (Olivia Scott Welch) é possuída por algo maligno e tenta assassinar a própria namorada. Deena (Kiana Madeira) e seu irmão Josh (Benjamin Flores Jr.) vão atrás de Berman (Gillian Jacobs), que havia sobrevivido anteriormente, para encontrar pistas para salvar Sam.
Agora, diferente do primeiro filme, a quantidade de referências diminui, ao menos à primeira vista, mas a qualidade continua. A principal delas, que é usada como guia mestre, é a franquia Sexta-Feira 13. Berman conta como sobreviveu à maldição da bruxa enquanto estava num acampamento em que um mascarado com um machado a perseguia.
A maioria dos filmes de Sexta-Feira 13 se passa em um acampamento, mais precisamente o Crystal Lake, onde Jason Voorhees aparentemente havia se afogado por um descuido dos monitores. Numa das primeiras cenas do acampamento, é mostrado adolescentes treinando arco e flecha, que também é uma das atividades do acampamento do slasher oitentista. E o enquadramento da cena é praticamente o mesmo do original. O capuz que o assassino usa para cobrir o rosto também está ligado ao que Jason usava em Sexta-Feira 13 – Parte 2 (1981). Somente no capítulo seguinte ele adotaria a máscara de hockey, principal marca do personagem.
Outro elemento que perpassa esse capítulo é o universo de Stephen King. Para começar, o monstro utiliza como arma um machado, que poderia até ser uma arma que qualquer vilão desse tipo de filme utiliza. Porém, em um determinado momento em que ele arromba uma porta utilizando a ferramenta, a cena é filmada exatamente como em O Iluminado (1980). Como se a câmera também acertasse fortes golpes na porta. Outro clássico citado é Carrie – A Estranha (1976) e a clássica cena em que os estudantes da escola utilizam sangue de porco para fazer bullying com a garota. Além disso, os próprios personagens citam obras do escritor durante o filme.
O cantor David Bowie também aparece nas entrelinhas de forma interessante. Logo no início do filme, enquanto acompanhamos a rotina de Berman, anos após o trauma no acampamento, descobrimos que o nome do seu cachorro é Major Tom. Esse nome aparece na música Space Oddity, um clássico de Bowie lançado em 1969, mesmo ano que o homem foi à lua. Ainda nessa cena, Berman escuta a versão de The Man Who Sold The World, interpretada pelo Nirvana. Essa música foi gravada pelo grupo no Acústico MTV justamente no ano de 1994, em que se passa o primeiro filme e o começo do segundo. Mais à frente do filme, quando estamos na década de 1970, ouvimos a versão original, interpretada pelo próprio Bowie.
Para além das referências, Rua do Medo:1978 – Parte 2 consegue ter uma característica própria e que difere da primeira parte. As regras clássicas do terror slasher como demonstrações sexuais ou uso de drogas como sinônimos de morte e castidade sinal de salvação, aqui não são totalmente seguidas. Isso acrescenta um elemento surpresa à trama, que a torna menos previsível e guarda até algumas surpresas. Nada ao nível de surgir algum plot twist ou coisa do tipo, mas quanto a quem vai morrer ou sobreviver. Isso vale tanto para os protagonistas quanto para os coadjuvantes.
Entre o fim de Rua do Medo:1994 e o início de Rua do Medo:1978 eu estava meio cético quanto à funcionalidade de uma trilogia que caminhava do fim para o começo. Me parecia estranho, não tinha cara de que iria funcionar muito bem. Mas, o que se pretende aqui na segunda parte é explorar algo que tinha ficado no ar anteriormente. O mural de Josh, que havia ajudado a resolver muitos problemas no primeiro filme, agora tem seus recortes analisados mais a fundo e Rua do Medo:1978 tem como foco Berman e a sua relação com a lenda da bruxa que assombra a cidade e traz pistas de como resolver o imbróglio que ainda restou em 1994 e isso é isso é bem interessante. Torço fortemente que a terceira e última parte continue assim.