Nas primeiras cenas de Se a Rua Beale Falasse, Tish (Kiki Layne) e Fonny (Stephan James) aparecem como dois jovens completamente apaixonados. Eles cresceram juntos e foram descobrindo seu amor aos poucos. Uma coisa, porém, logo fica clara: a história do casal está longe de ser apenas um romance.
Toda a doçura presente na juventude e inocência de Tish e Fonny é maculada pela prisão do rapaz. Acusado de estuprar uma mulher, ele é imediatamente encarcerado e passa a ser vítima de muitas violências enquanto aguarda o julgamento. Do lado de fora, Tish descobre que está grávida e precisa encarar o desprezo da mãe e das irmãs de Fonny.
Naturalmente, a prisão do rapaz é apenas sintoma de uma estrutura social extremamente racista, na qual coisas ruins acontecem com pessoas boas. Para se vingar de Fonny por tê-lo enfrentado em um episódio de assédio contra Tish, um policial mau caráter o acusa injustamente do estupro.
Na sociedade norte-americana dos anos 1970, em um momento histórico no qual a verdade pouco importava se o acusado tinha a pele negra, o espectador se depara com o contraste entre o amor dos dois jovens e a enorme injustiça que os separa do futuro feliz que imaginavam juntos. A sensação de impotência é latente, em praticamente todo o filme.
Em determinada cena, um dos personagens conta sobre sua própria experiência como homem negro, atrás das grades: “Quando está lá dentro, eles podem fazer com você o que quiserem”. Essa é a realidade de um país em que, ainda nos dias de hoje, as chamadas minorias (negros, imigrantes, pobres) não importam – ou, pior, são marginalizadas de todas as formas.
Lutando corajosamente contra as inúmeras dificuldades, Tish insiste em acreditar no amor e na possibilidade de criar uma família ao lado de Fonny. Ela segue o conselho de sua mãe: “O amor é o que a trouxe até aqui e, se você confiou nele até agora, não entre em pânico. Confie até o fim”.
A mãe de Tish é interpretada por Regina King, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante na cerimônia deste ano. Em seus poucos momentos na tela, todos eles excepcionais, a atriz consegue passar a dor e a fortaleza de uma mãe que deseja salvar sua filha, mas ao mesmo tempo precisa ensiná-la a se proteger do mundo. É uma mulher admirável, que levanta a cabeça e encara seus problemas de frente.
Depois de dirigir o belíssimo Moonlight: Sob a Luz do Luar (vencedor de três Oscars em 2017: melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor ator coadjuvante), a expectativa para o novo trabalho de Barry Jenkins era enorme. O cineasta não decepcionou, mas Se a Rua Beale Falasse não deve ser comparado ao filme anterior. São narrativas diferentes, embora se passem em um universo semelhante de desigualdade social e preconceito.
A fotografia fenomenal do filme capta toda a precisão da direção de arte e também os instantes de ternura entre o casal apaixonado, assim como suas vidas separadas por uma dura parede de vidro, na sala de visitas da penitenciária na qual muitas de suas conversas acontecem. Em off, a voz de Tish narra seu próprio drama: “Eu espero que ninguém jamais precise olhar para alguém que ama através de um vidro”.
Se há críticas a fazer ao segundo longa de Jenkins, talvez elas estejam no fato de que, ao adaptar quase literalmente os diálogos e narrações do livro de James Baldwin, o diretor torna o filme ligeiramente didático em alguns pontos. [spoilers] O final também pode ser considerado por alguns como incompleto ou aberto demais – embora uma situação como essa na vida real nunca tenha, de fato, desfecho. É algo que fica para toda a existência, afetando dramaticamente a todos os envolvidos.
Acima de tudo, o que permanece após o término desse corajoso drama é o lembrete de que a felicidade é algo pelo qual vale a pena lutar. A promessa de concretizar seu amor e o sonho de uma família é o que dá forças a ambos, tanto Fonny quanto Tish. Em meio ao visual quase nostálgico de uma era perdida, a mensagem que Jenkins passa é atemporal: por piores que sejam as circunstâncias, é preciso manter a esperança. Hoje, mais do que nunca, é vital resistir.