Certa noite, Ana Beatriz Elorza saiu para beber com os amigos, um programa típico de uma jovem paulistana. Após deixar o bar, quando se dirigia para o carro, ela foi rendida por dois assaltantes. A dupla de criminosos levou a garota até um caixa eletrônico com o objetivo de zerar sua conta, porém, como já passava das 22h o montante que eles queriam levar não estava disponível. Para garantir que o crime fosse bem-sucedido os bandidos resolveram manter a jovem sob a mira de uma arma até o dia seguinte, quando eles enfim poderiam fazer o limpa bancário. Com isso, o assalto se transformou em um sequestro relâmpago e Ana Beatriz viveu mais de 12 horas de terror.

A história narrada acima é real e serviu de enredo para o filme Sequestro Relâmpago, dirigido por Tatá Amaral. Na trama a protagonista se tornou Isabel e foi interpretada por Marina Ruy Barbosa. Em seu primeiro trabalho no cinema, a atriz deixa de lado os papeis de mocinha romântica pelos quais ficou conhecida nas novelas e vive uma mulher que precisa dar conta dos próprios problemas.

Sobre seus ombros recai a responsabilidade de convencer o público do medo e da insegurança que acompanham a vítima de um sequestro. Essa capacidade, entretanto, é alcançada aos poucos. No começo Marina parece não levar os assaltantes muito a sério, o que impede o espectador de embarcar naquela situação. Em vários momentos ela ajuda os bandidos e, nas vezes que tenta fugir, sua atuação não convence. À medida em que o filme se encaminha para o final conhecemos outras facetas da sua personagem e, com isso, Marina parece crescer no papel.

Em paralelo, os bandidos Matheus (Sidney Santiago) e Japonês (Daniel Rocha) são mais bem resolvidos. Ainda que o sotaque da periferia de São Paulo não soe autêntico, os atores se mostram mais confortáveis nas figuras dramáticas e conseguem reproduzir com eficiência seus dilemas. Japonês é um frentista que tenta iniciar as atividades no mundo do crime como forma de honrar seu falecido pai. Já Matheus é um jovem evangélico que topa a ideia do assalto para ajudar a família. Seu personagem é o que possui o maior desenvolvimento pois, aos poucos, vai deixando de ser compreensivo e racional e, levado pela situação, se mostra violento e lascivo nos momentos finais.

Sob a direção de Tatá Amaral, o filme aborda algumas temáticas interessantes. A maior delas certamente é a reprodução dos perigos de um sequestro para as mulheres. Enquanto os homens temem por seu dinheiro e talvez a morte, as mulheres precisam enfrentar também a sombra do estupro que sempre aparece como uma possibilidade real. O longa debate ainda os impactos do abismo social que separa a população brasileira, a distribuição de renda irregular e as oportunidades desiguais para jovens de classes sociais distintas. Com cenas que reproduzem o machismo e o racismo sentido na pele por milhares de pessoas, o título se sobressai na inclusão de gêneros por retratar de maneira livre de preconceitos uma briga entre Isabel e uma mulher trans, interpretada pela MC Linn da Quebrada.

Tendo a cidade de São Paulo como cenário, Sequestro Relâmpago funciona como um road movie criminoso que coloca os personagens em conhecidos pontos da capital paulistana. Ainda que o ritmo pareça descompassado no início, a produção acha o caminho e se desenvolve em um crescente que culmina no ápice tenso e acelerado. Em grande parte, isso se dá pelo uso consciente da câmera, que assume uma posição de testemunha do crime e concede ao espectador uma visão da violência brasileira.

Justamente por dramatizar uma história real, o filme consegue dialogar com a realidade das grandes metrópoles do país. Os horrores vividos por Isabel em frente às câmeras e por Ana Beatriz fora delas se tornaram uma triste estatística. Ainda que tenha alguns tropeços, o longa serve como uma alerta contra o escudo que desenvolvemos para não ver as diferenças sociais no dia a dia e a falsa sensação de segurança em que vivemos. É triste porque é real e a realidade dói.

Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Sequestro Relâmpago

 

Ano: 2018
Direção: Tata Amaral
Roteiro: Tata Amaral, Marton Olympio, Henrique Pinto
Elenco principal: Marina Ruy Barbosa, Daniel Rocha, Sidney Santiago, MC Lin da Quebrada, Projota
Gênero: ​Drama, Thriller
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: