Por: Rafael Ferreira
Uma semana depois de assistir Shaun the Sheep, não consigo tirar a música de encerramento da minha cabeça, “he’s Shaun the Sheep, he’s Shaun the Sheep…”, junto a isso não consigo tirar a imagem do cão psicopata, o gato Hannibal Lecter, e a seqüência inicial cheio de bichinhos fofinhos capazes de fazer qualquer marmanjo vomitar arco-íris durante um mês, meu favorito é o boizinho com uma chupeta na boca.
A vida de Shaun, o carneiro, Bitzer, o cachorro, e o fazendeiro consiste em uma rotina por todos os dias, até que após ler a frase “tenha um descanso” num busdoor, Shaun decide sair dessa rotina e aproveitar o dia. Mas a situação foge do controle quando o trailer onde o fazendeiro está preso, acidentalmente vai parar na cidade grande, e outro acidente o faz perder a memória. Cabe aos animais da fazenda irem à cidade resgatar o seu mestre.
Até então o filme segue uma fórmula batida, já vista em dezenas de outros filmes, está tudo lá: animais disfarçados de pessoas causando confusões por onde andam, e um oficial do controle de animais para ser antagonista, enquanto aquele que deve ser resgatado se mete em suas próprias confusões. Porém, por incrível que pareça, Shaun The Sheep consegue a proeza de fazer tudo isso de forma engraçada. Acho que não enfatizei o suficiente, ENGRAÇADA.
Desde Fuga das Galinhas, cada filme novo do estúdio Aardman me deixa com aquela sensação, “eu ri mais neste do que no filme anterior”, até agora Shaun leva o prêmio, o fator decisivo foi uma gag na cena do restaurante que me fez rir uns dez minutos seguidos. Mas somente dizer que este filme é engraçado não é um argumento convincente, a conclusão de por quê este filme é tão engraçado, daria um assunto para uma monografia, ou uma tese de mestrado, mas acho que posso resumir:
Primeiramente devemos ter em mente que quando assistimos a um filme, estamos vendo uma atuação, filmes feitos com a técnica da animação não são diferentes, apenas substitui-se pessoas de carne e osso por personagens desenhados à mão, modelados no computador, e neste caso, plasticina. O boneco é o ator, as mãos talentosas do animador são responsáveis por dar vida a ele, e mais importante do que isso, deve conferir personalidade. Então quando vemos as reações no rosto do carneirinho bebê ao escolher entre dois bolos, e não entender que Shaun está dizendo para ele não comer, estamos vendo uma performance que capturou a personalidade do personagem e a transferiu para o boneco de um carneiro, mas o que torna o momento engraçado é que reconhecemos estas reações, e expressões em nós mesmos.
O grande destaque para Shaun the Sheep, é que os animadores conseguem conferir toda a personalidade aos personagens sem uso de diálogos, mostrando que eles dominam a arte de dar vida. Nós não precisamos que Shaun diga num monólogo que está com saudades do fazendeiro, basta fazer ele com um olhar triste para a foto deste. Diálogos que soam como jibberish são comuns em programas voltados para crianças bem novinhas, que é o caso da série que este filme foi originado, mas uma vez imersos neste universo, isto pouco importa, porque a linguagem não verbal (que é universal) é muito bem empregada.
Em animação, nada é feito sem planejamento, tudo é pensado nos storyboards e animatics, desde a atuação do personagem até o enquadramento, chamamos isso de staging. Em Shaun the Sheep percebemos o cuidado que os diretores Mark Burton, e Richard Starzak tiveram em posicionar os bonecos nos cenários, e colocar humor nisso. É por isso que quando os carneiros se camuflam em frente a um anúncio, se torna um momento cômico, ou quando o fazendeiro aparece contra a luz segurando um forcado, e a sua silhueta o faz parecer o diabo, também fica hilário.
Um dos princípios da animação que mais conferem realismo é a física, isso está presente na forma que o personagem anda, pula, e se movimenta, o humor físico é uma fórmula universal porque a física se aplica a tudo. Segundo o escritor e roteirista Antônio Prata (está vendo como daria uma monografia? Tem até referencial teórico), o humor depende da ausência de compaixão, você deve olhar a tragédia sem se compadecer, portanto é engraçado quando vemos uma pessoa se machucar porque não está acontecendo conosco, mas só é engraçado mesmo quando sabemos que a pessoa, apesar da dor, está bem. Em Shaun the Sheep, é engraçado ver o trailer onde o fazendeiro está preso desliza desgovernado pela cidade podendo provocar acidentes graves, e ao mesmo tempo têm dois jovens se divertindo e filmando tudo com seus celulares, e pra concluir, a lei da gravidade determina a força com que o globo cai na cabeça do fazendeiro, se fosse uma força maior poderia matá-lo, mas se fosse uma força menor, talvez ele não teria perdido a memória.
Talvez a única bola fora que o filme tem com relação à física aconteça nos momentos finais, quando a lógica nos diz que um personagem (que tem uma massa própria, e uma aceleração) irá cair em determinado ponto, mas cai em outro, num monte de estrume, mas novamente a física se aplica, pois pela forma que o personagem cai percebemos que o estrume estava seco, e ele deve ter se machucado bastante.
O humor é uma quebra de expectativa, esperamos que uma coisa irá acontecer, mas acontece outra completamente inesperada. Shaun the Sheep usa isto muito a seu favor, quase a todo momento. Eis um cenário para exemplificar: o fazendeiro está hospitalizado, e surge um médico com um instrumento inusitado, um martelo, o fazendeiro foge temendo levar uma martelada, mas na verdade ele irá usar o martelo para fixar um quadro na parede. Eu não estava preparado para ver um médico com um martelo na mão, tampouco esperava esta intenção do médico.
E para concluir, digo que Shaun the Sheep tem um humor puro, sem duplo sentido, sem ofender minorias, que soma tudo isto que foi explorado aqui em piadas simples capazes de fazer tanto um adulto quanto uma criança rir com naturalidade, sem insultar a inteligência de nenhum dos dois. Raras vezes surge uma piada que somente adultos entenderão, estas relacionadas à cultura, mas como nossas crianças já nascem sabendo mexer em celular, não me surpreenderia se elas as compreendessem. Portanto, se Shaun the Sheep estiver passando nos cinemas de sua cidade, e acredito que ficará por pouco tempo, vá mesmo que não seja acompanhado de crianças. PS: Fiquem durante os créditos, ainda tem muitas surpresas.
Shaun, o Carneiro: O Filme (Shaun, the Sheep Movie)
Ano: 2015
Diretor: Richard Starzak; Mark Burton
Roteiro: Richard Starzak; Mark Burton
Elenco Principal: Omid Djalili, Andy Nyman, Nick Park
Gênero: Animação; Aventura; Comédia
Nacionalidade: Reino Unido; França
Veja o trailer: