Uma pequena luz parece iluminar o caminho sombrio que o Brasil percorre nos últimos anos. Em um momento hostil onde a polarização parece reinar no discurso político, percebemos a emergência de produtos culturais que tentam promover uma complexidade às questões relativas à atual conjuntura brasileira. Essas manifestações são ritmadas pela comemoração dos 50 anos da Tropicália que ocorreu no ano passado (2017). Parece que o aniversário chegou na hora exata, isto é, para nos ajudar a refletir através de um olhar retrospectivo, ou seja, que retorne ao passado, e, promova, a partir disso, um chão estável em que possamos caminhar.

Algumas manifestações que expressão essa tomada de consciência são: a remontagem do Rei da Vela no Sesc Pinheiros (2017), o lançamento do álbum Bixa (2017) das Bahias e a Cozinha Mineira, o filme Torquato Neto – Todas as Horas do Fim” (2018) e, agora, o documentário de José Walter Lima “Rogério Duarte, o Tropikaoslista” (2018).

O filme cruza os depoimentos de Rogério Duarte com imagens documentais, visuais, fílmicas e artísticas do artista e do contexto social e político em que viveu. Duarte foi um dos nomes mais emblemáticos do movimento Tropicalista Brasileiro. Artista multimídia atuou como designer, ilustrador, músico e escritor. No filme somos apresentados ao mundo de Rogério Duarte, bem como às suas produções gráficas e ao momento efervescente da cultura brasileira onde as diferentes manifestações artísticas entraram em uma sintonia revolucionária.

Logo de início nos defrontamos com o cartaz simbólico produzido por Rogério Duarte para o filme de Glauber Rocha Deus e o Diabo na Terra do Sol. A partir de depoimentos do artista percebemos a constituição de uma linguagem gráfica elaborada por Duarte e a divulgação do movimento Tropicália por meio da visualidade adotada pelo artista. Enquanto o documentário se desenrola, nos é mostrada a trajetória de Rogério Duarte que vai desde a sua filiação ao partido comunista até ao seu exílio, prisão e tortura.

O filme é embalado por momentos cruciais das artes plásticas no Brasil como a realização do cartaz e da exposição Nova Objetividade Brasileira, bem como os inúmeros filmes de Glauber Rocha, o lançamento e a capa do CD de Caetano Veloso, Tropicália e a grandiosa obra de Hélio Oiticica. Ainda, somos apresentados ao lado espiritual de Duarte, sua ida para a filosofia hindu, sua paixão pelo xadrez e o seu amor por Anecy Rocha e Glauber Rocha onde percebemos uma enorme afetividade entre ambos.

O documentário por si só é tropicalista, isto é, cortes rápidos e sincronizados com uma trilha sonora tropical contribuem para a dinâmica do filme. Imagens psicodélicas, cores vivas e pulsantes que em conjunto alucinam o espectador. Os indispensáveis depoimentos de Rogério Duarte demonstram sua intelectualidade aguçada e a contribuição no documentário de Caetano Veloso e Gilberto Gil no violão fazem do filme uma obra excepcional.

O filme encerra com a filmagem de algumas exposições realizadas em homenagem ao artista onde evidenciamos a sua produção artística em destaque. Rogério Duarte, um personagem icônico, facilmente associado à figura de um louco para os mais conservadores, nos ensina a olhar as coisas em sua radicalidade, de um modo lúdico, por detrás da superfície vertiginosa da imagem. Subvertendo de uma maneira extraordinário a linguagem visual, o artista nos ensina a praticar a ética do olhar; olhar curioso, atento para desmistificar os fenômenos que nos são apresentados como versões únicas e indiscutíveis.

Rogério Duarte, o Tropikaoslista é uma obra, um filme, um manifesto sublime, de um dos maiores artistas gráficos brasileiros, narrado de um modo exemplar e repleto de reflexões necessárias para o atual momento político brasileiro.

Rogério Duarte, o Tropikaoslista

Rogério Duarte, o Tropikaoslista

Ano: 2018
Direção: Walter Lima
Roteiro: Walter Lima
Elenco principal: Rogério Duarte, Caetano Veloso, Gilberto Gil
Gênero: ​Documentário
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: