O Oriente Médio representa um dos lugares mais repressores quando se trata da liberdade de mulheres. Tal questão é abordada largamente nas artes, principalmente no cinema. Aqui, vemos o caso de Sofia, uma jovem de família rica que mora em Casablanca, Marrocos. Ao ter um tipo de gravidez rara – sem a característica barriga – ela se surpreende ao dar luz a uma criança sem estar casada, o que é considerado crime no país.
O contexto é tudo e, o que poderia ser uma história sobre o que fazer com a criança e contatar o pai, ao se passar em Marrocos, ganha contornos criminais, onde a protagonista chega a ser presa. Por mais rotineira e cotidiana que seja uma situação, em países como esse sempre ganham um caráter político, algo presente nesse universo.
Dirigindo seu primeiro longa-metragem, a diretora Meryem Benm’ Barek sabe muito bem desenvolver um sentimento de sororidade entre as personagens femininas, trazendo planos que revelam os olhares de empatia e receio que, por exemplo, a prima de Sofia tem por ela e sua criança.
Algo que Barek se interessa em investigar em Sofia é as relações corruptíveis da elite com um opressor governo. Por mais religioso e fundamentalista que ele seja, o poder do dinheiro sempre será maior e poderá contornar situações como essa. Fica nítido que se Sofia não viesse de uma família abastada, estaria passando o absurdo de estar presa por ter um filho fora do casamento.
O longa também sabe desenvolver um estudo de personagem eficiente e a angústia gradual de Sofia (o filme já inicia com ela se isolando na cozinha, ambiente doméstico muitas vezes associado à figura da mulher). Há relações complexas que a cineasta sabe trabalhar, como o carinho nítido que Sofia passa a pela criança, embora não deixe de sentir que ela trouxe muito mais problemas do que alegrias.
Contudo, há um momento onde a prima de Sofia conversa com sua mãe e verbaliza várias situações e estruturas sociais que já tinham ficado nítidas com o filme, servindo apenas para evidenciar o óbvio, martelando as mesmas mensagens. Felizmente, são poucos momentos assim e a diretora, que também assina o roteiro, traz uma reviravolta que muda toda a dinâmica dos personagens e de seus interesses, servindo como fascinante testemunho do quão perverso é o funcionamento dessa comunidade.
Acaba escancarando que o buraco é muito mais embaixo e aborda a hipocrisia não apenas da sociedade machista e cruel que o Oriente Médio representa para as mulheres como também a da elite que é permissiva com qualquer absurdo para manter as aparências intactas.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.