Por Luciana Ramos

Em uma sociedade futurista, Qohen Leth (Christoph Waltz) trabalha como “operador de entidades” da Mancom, uma corporação que tem como missão “dar sentido às coisas boas da vida”. Claramente inapto ao mundo que vive, vive afoito em receber um telefonema que irá explicá-lo de uma vez por todas a razão da existência humana.

Por conta disso, pede para trabalhar exclusivamente em sua casa e é então encarregado pelo “gerente” (Matt Damon), figura poderosa da empresa, de solucionar o teorema zero. Porém, sempre que se aproxima em cumprir sua função de provar que 0=100%, o sistema desaba.

Qohen, tomado por um pânico crescente, recebe a ajuda de Binsley (Mélanie Thierry), que tem um site de strip-tease, e do pródigo filho do “gerente”, Bob (Lucas Hedges). A primeira atua como interesse amoroso e válvula de escape e o relacionamento dos dois serve para quebrar um pouco a tensão até determinado momento da trama. Já o segundo serve para revelar a humanidade do protagonista por atuar como seu único amigo.

Assemelhando-se a outras distopias, Teorema Zero revela uma sociedade com cores vibrantes, joysticks e tecnologia interativa que aprisionam o individuo por constituir um fim em si mesmo. A fim de elucidar a sua tese, Terry Gilliam preocupa-se, por exemplo, em filmar uma festa onde, apesar da música ambiente, as pessoas usam fones de ouvidos e usam seus tablets como parceiros de dança. Câmeras Gopro atuam como instrumentos de vigilância (uma delas inclusive colocada no lugar da cabeça de uma imagem de Jesus crucificado), as propagandas literalmente perseguem os transeuntes nas ruas, as caixas de pizza cantam ao serem abertas e a Igreja do Batman, o redentor completam o universo de crítica social disfarçada de deboche revisitada de trabalhos anteriores, como Brazil, o filme.

O permanente conflito interno de Qohen vem exatamente da sua inadequação a todo este universo, pontuada no longa de maneira interessante através do figurino: ele veste-se de maneira sóbria, sempre utilizando uma paleta de cores neutras, em claro contraste ao exagero néon ao seu redor. Já o “gerente”, em contraponto, por simbolizar exatamente essa configuração social, traja ternos com estampas semelhantes as de sofás e cortinas, tornando difícil a sua separação do ambiente.

Como explicitado por exemplos, não faltam construções simbólicas no novo filme de Terry Gilliam, sendo a maior talvez ao paralelo do homem com a religião. O protagonista, que vive numa igreja abandonada, apoia a sua salvação num ideal de felicidade que virá da mesma tecnologia que o sufoca. Porém, alguns outros elementos inseridos na trama mostram-se demasiadamente empobrecidos como o fato de Qohen referir-se a si mesmo pelo uso de “nós”, o que lembra de maneira constate e irritante ao espectador que ele refere-se a “todos nós”.

Ademais, o filme perde seu impacto a partir do seu confinamento em sua casa/igreja. Por mais que intensifique os dilemas do personagem, a escolha priva o espectador de vivenciar mais dessa sociedade absurda e dos tipos que nela habitam. Assim, torna-se um pouco maçante até o clímax, este também mais verborrágico e autoexplicativo do que necessário.

Terry Gilliam retorna ao mundo da ficção científica depois de quase vinte anos (desde Os Doze Macacos) para tecer uma elaborada crítica a relevância da existência humana em uma configuração social esvaziada de sentido. No entanto, obtém um resultado irregular  numa trama que, apesar de apresentar insights interessantes, mostra-se enfadonha em determinados momentos. Ainda assim, vale a pena ver pela reflexão que desperta.

 

teorema zero posterTeorema Zero (The Zero Theorem)

Ano: 2013

Diretor: Terry Gilliam

Roteiro: Pat Rushin

Elenco Principal: Christoph Waltz, Mélanie Thierry, Lucas Hedges, Matt Damon, Tilda Swinton

Gênero: ficção científica, drama, fantasia

Nacionalidade: Reino Unido

 

 

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