Por Guilherme Franco
Pare. Respire. Feche os olhos e imagine uma parte de sua inocência sendo levada à força. Sem escolha, você perde sua proteção e fica exposta (o) para todos, sem livre-arbítrio, sem coragem, somente covardia.
Kirby Dick é um diretor provocador, não é a primeira vez que trata desse tema, já realizou um documentário sobre estupro de mulheres no exército americano, The Invisible War (2012), e foi indicado ao Oscar quando contou a história de um homem que confrontou o trauma de abuso sexual por um padre diante sua família e sua fé. The Hunting Ground é uma mistura de um tapa na cara com verdades vomitadas, o trabalho de investigação jornalística é muito satisfatório, temos o relato não somente de mulheres que sofreram abuso sexual, mas também de homens, professores que foram demitidos por falar sobre esse tema na universidade, profissionais que trabalhavam nas instituições diretamente com o recebimento de denúncias e também de um ex-estudante que praticava estupro, mas que se arrependeu do ocorrido.
Você que já é meio revoltado com a sociedade, fica mais indignado ainda assistindo a esse documentário, é extremamente frustrante como temos mais um tema em que acontece a mesma injustiça como casos de homofobia e racismo. E outra coisa que é desmistificada com o filme é o sonho americano, o mito de que tudo nos Estados Unidos da América é perfeito, como muitos “estrangeiros” pensam. A maior ira que o filme proporciona é o fato de as instituições que deveriam dar suporte e apoio ao aluno (a) não fazerem praticamente nada e ainda se posicionarem para que ele (a) se cale. E não é em uma ou meia dúzia de universidades americanas em que esse descaso e ‘maquiação’ acontece, e sim em dezenas, inclusive em Harvard, Columbia, e muitas outras. Em uma parte próxima ao fim do filme temos a exposição de dados, a maioria com centenas de denúncias de estupro por instituição, mas apenas 1 ou 3 expulsões ou advertências, e muitas vezes nenhuma.
Uma marca e uma reputação que valem mais do que a vida de uma de suas cabeças pensantes, uma fúria que muitos como o autor dessa crítica sentem ao estar em seu ambiente de ensino, onde chefes e diretores que preferem cortar bolsas de estudos para regular seus gastos, mantém o pagamento de salários altíssimos para líderes religiosos dentro da entidade no qual o bem maior deveria ser o conhecimento. O dinheiro, o grande catalisador da sociedade, é levado muito mais em conta, um caso retratado no filme, como o do quarterback Jameis Winston, que por consequência de seu bom desempenho nos jogos, a faculdade foi silenciando o ocorrido por que com sua pontuação no campeonato o estabelecimento de ensino conseguia bastante fundos. E em muitos outros casos relacionados a atletas, que por doarem dinheiro futuramente quando terminarem a graduação, a instituição prefere se calar.
O problema dessa película, se isso é um problema, são suas questões técnicas, e isso é o que pode ter deixado The Hunting Ground fora da corrida para o Oscar de Melhor Documentário. O filme não traz nenhuma inovação na linguagem ou fotografia, faltou poesia e sensibilidade para “pintar” o filme. Assim como em Que Horas Ela Volta, temos uma temática que é essencial ser inserida e trabalhada, algo até urgente, para um novo raciocínio social, mas como no filme de Anna Muylaert, faltou um pouco da técnica. A trilha sonora foi muito mal colocada, músicas pops como a de Ellie Goulding não se encaixavam no esquema construído na ótima montagem, como que para dar um respiro comercial. A música de Diane Warren e Lady Gaga, “Till it Happens to You”, indicada ao Oscar de Melhor Canção Original se encaixou bem como tema principal do filme e poderia até ter sido colocada um pouco mais durante a narrativa, que foi construída por meio de relatos que misturavam “talking-heads” com imagens de cobertura.
Indignação e urgência, são duas palavras que conseguem representar bastante todo o trabalho do filme. A mudança é lenta e retrógrada, e para termos um ambiente com mais paz e solidariedade precisamos ser “militantes”, como disse uma grande pensadora. Precisamos acelerar a equalização e lutar para um ambiente mais justo.
Ano: 2015
Diretor: Kirby Dick
Duração: 103 min.
Gênero: Documentário
Nacionalidade: EUA
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