Por Guilherme Franco
Começa a sessão. Um entrevistado falando diante da câmera, a equipe colocando a lapela nele, um plano que não para, e ele vai falando, contando sobre sua vivência e a ditadura, até que tudo para num nome: Lia. Após isso, vemos aquele homem que estava dando entrevista, Telmo (Carlos Alberto Riccelli) atuando como em qualquer filme de ficção. E aí, tudo vai caminhando nesse processo: documentário, mockumentary¹ ou ficção?
Trago comigo se origina da minissérie de mesmo nome e mesma direção, produzida pela Tv Cultura e Sesc em 2009. Conta a história de Telmo, que foi torturado na época da ditadura militar, e ao longo do filme uma parte de sua vida e de seus companheiros na luta armada é encenada por atores desconhecidos na tentativa de reviver uma de suas paixões: a arte dramática e o Teatro Paulista de Comédia.
Com o roteiro de Thiago Dottori (VIPs, Pedro e Bianca) e Willem Dias (Cabra-cega, Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios), Tata Amaral (Antônia, Hoje) coloca em diálogo ficção e realidade ao inserir falas documentais de entrevistas reais em meio a atuação de atores durante o filme. Uma característica que pode-se notar é o zoom que, algumas vezes repentinamente, é colocado no rosto dos personagens, ou alguns detalhes de montagem com cortes e transições de cena bem realizados. A fotografia usada nos locais comuns é normal, sem transgressões, a da peça no teatro é bem trabalhada e colocada como uma digna peça paulistana de teatros alternativos.
Um ponto que o filme se arrisca e busca introduzir é a desconstrução de alguns preconceitos, estereotipos e pensamentos que muitos têm acerca de quem sofreu na ditadura. Palavras como “terrorista ao invés de “guerrilheiro”, “assaltar ao banco” trocado de lugar por “expropriar o capital para bancar uma revolução” são mostradas de forma didáticas por Telmo ao elenco da peça e para quem está assistindo, mas sem um aprofundamento denso e, sim, uma explicação sugestiva para muitos que persistem em manter um pensamento reacionário. “É difícil para uma geração sem ideologia como a sua entender isto”, diz Telmo em dado momento.
O teatro é utilizado como o artifício para um diálogo presente com o espectador, ao invés de, por exemplo, fazer uso um flashback e uma encenação com cenários e figurinos da época, ou então imagens de arquivo. Quem assiste se prende aos atores e o que nos leva ao passado, além da encenação e relatos do próprio diretor, são as entrevistas com pessoas torturadas na período da ditadura militar.
“Tá sem sono? Já se deu conta que amanhã a esta hora estaríamos mortos?” (Jaime, nome de guerra de Telmo)
Nomes de generais e torturadores são censurados no filme, pelo motivo de muitos não terem sido ainda condenados, após dezenas de anos do regime e 4 anos de uma Comissão da Verdade aqui no Brasil. O começo e parte do último ato temos a tela preta e um silêncio questionador no início e perfurante no final, como que em um estado de luto por toda a injustiça e dor cometida para a democracia e direitos humanos. Não tem como não se chocar com o relato de uma senhora que estava grávida de 7 meses e mesmo assim apanhou e ficou com hematomas, ou então uma mãe que foi colocada no andar de baixo da cela em que seu marido estava sendo torturado e ainda assim o ouviu morrer.
Filmes como esse são obras que podem ser encaradas como uma lição e um tapa na cara ao observar comportamentos humanos, como o de torturadores, e os que defendem esse período sem ao menos ter real noção do que se passou.
¹ Mockumentário ou mockumentary é um nome dado para documentários que não são reais, são filmes gravados como documentários normais mas a maior parte, senão ela toda, é falsa e feito por roteiristas.
Ano: 2016
Direção: Tata Amaral
Roteiro: Thiago Dottori e Willem Dias
Elenco principal: Carlos Alberto Riccelli, Gustavo Brandão, Georgina Castro
Gênero: drama
Nacionalidade: Brasil
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