É impressionante que após quase quatro décadas de carreira Tom Hanks continue se reinventando e surpreendendo por suas performances diante das câmeras. Mesmo já tendo participado de algumas produções falhas ou medíocres, não é raro que a presença do ator norte-americano em cena seja um ponto positivo para um filme. Famoso por seu jeito e aparência de “homem comum” em grande parte dessas obras, é difícil imaginar um outro ator conferindo vida ao lendário Fred Rogers em seu novo filme, Um Lindo Dia na Vizinhança.
Na trama, baseada em fatos reais, o premiado jornalista investigativo da revista Esquire, Tom Junod, que no filme é chamado de Lloyd Vogel (Matthew Rhys), é incumbido de fazer um perfil do apresentador de TV infantil Fred Roger (Hanks). Envolvido em graves problemas familiares e acostumado a fazer pautas mais sérias, Vogel desdenha de sua nova tarefa por ser diametralmente oposto à personalidade de seu personagem: simpático, atencioso e de riso fácil, Roger parece uma caricatura aos olhos do jornalista, até que os dois começam a se conhecer melhor.
Enquanto Vogel ignora o problemático pai (Chris Cooper) e enfrenta dificuldades na relação com a esposa (Susan Kelechi Watson), Roger é como uma santidade difícil de ser criticada. Sorridente, carismático e, acima de tudo, genuíno, o artista rouba a maioria de suas cenas do filme por seu comportamento quase angelical. E assim como o perfil a ser escrito por Vogel, também o espectador é induzido a se perguntar: como alguém pode ser daquele jeito? Tão… bom?
Em um dos momentos mais marcantes do filme, a diretora Marielle Heller (Poderia Me Perdoar? [2018]) mostra toda a entrega física do personagem de Tom Hanks realizando a dublagem de uma de suas marionetes para um programa, enquanto Vogel o admira em silêncio. Esta, e outras cenas, como as de Roger sendo reconhecido no metrô por um grupo de alegres passageiros, e recebendo uma criança com deficiência no set de gravação, ressaltam o caráter benevolente e idôneo do artista.
Entretanto, apesar da impecável performance de Hanks, o roteiro de Noah Hapster e Micah Fitzerman-Blue apresenta falhas na composição do personagem de Fred Rogers. Ele não é o protagonista do filme, mas desempenha um papel de tamanha relevância na história que é incômodo não sabermos um pouco mais sobre como chegou até ali e se tornou um ser humano tão benevolente.
Mas nada que enfraqueça a bonita narrativa de Um Lindo Dia na Vizinhança, que é hábil em provocar uma reflexão sobre o poder do perdão e da aceitação. Fred Rogers “ama pessoas quebradas”, e o espectador é convidado a se perguntar como seria o mundo com mais pessoas como ele.
*Essa crítica faz parte da cobertura do 21° Festival do Rio.