Uma Noite em Miami (2020), estreia na direção da atriz Regina King, traz o encontro fictício de quatro personalidades negras na década de 60: Cassius Clay – que quando se converteu ao islamismo adotou o nome de Muhammad Ali, Malcom X, Jim Brown e Sam Cooke.
O filme é baseado na peça homônima de Kemp Powers, e o autor da peça assina também o roteiro – e talvez esteja aí o primeiro trunfo da obra. Diferentemente de A Voz Suprema do Blues (2020), que também é baseada em uma obra teatral, Uma Noite em Miami não se prende em um roteiro engessado em poucos cenários e cenas incrivelmente longas. King fez questão de capturar diferentes situações, tanto no início do filme quanto no final, a fim de trazer mais leveza na sua montagem e distanciar um pouco mais a versão cinematográfica da versão do teatro.
Durante o período de divulgação do filme, a diretora comentou que o longa não era uma biografia desses homens, mas sim uma tentativa de mostrar que eles também eram humanos e que tinham angústias e preocupações que todos nós temos.
A fotografia e a direção de arte do filme são outros pontos muito positivos e em uma entrevista ao New York Times King diz: “Por mais que esse fosse um filme de época, eu ainda queria que fosse visualmente atraente e pensei que saturando ele com cores vivas provavelmente chamaria mais a atenção do público jovem do que com uma palheta mais pastel”.
Repleto de diálogos, o filme é um estudo do que são esses homens para além dos mitos. O boxeador que futuramente seria banido do mundo da luta, o jogador de futebol que vira estrela de cinema, o cantor negro que foi um dos poucos a ter sua própria gravadora e um dos maiores ícones da luta dos direitos civis americano.
Com as atuações magníficas de Kingsley Ben-Adir (Malcom), Eli Goree (Cassius), Aldis Hodge (Jim) e Leslie Odom Jr. (Sam) é que o filme realmente chega ao seu ponto máximo. Quando os quatro estão na tela trazendo seus diferentes pontos de vista e vivências, é que o filme ganha força e mostra, por A + B, que a população negra, seja ela de onde for, é única. Que negros divergem, se irritam, se contradizem e aprendem. Não estamos falando de uma massa homogênea mas sim de seres humanos falhos, com todos os outros.
Cada um deles, a seu modo, estava comprometido com a luta contra a opressão e o racismo que assola os Estados Unidos. Fosse por meio da liberdade econômica ou espiritual, todos estavam tentando trazer aos seus iguais um pouco mais de esperança.
Pela primeira vez atrás das câmeras Regina King recebeu a indicação de Melhor Direção no Globo de Ouro de 2021, assim como Odom Jr. que foi indicado como Melhor Ator Coadjuvante.
Uma Noite em Miami consegue se desvencilhar da estética teatral graças à visão de sua diretora, com um jogo de câmeras muito bem desenhado e uma montagem inteligente. Além disso, os elementos que os próprios atores incorporam aos personagens fazem com que o longa fique marcado como um grande estudo de personalidades sem elevá-las ao patamar de deuses.