O fascínio pela imagem, especificamente pela arte do retrato ganhou dimensões extraordinárias, tanto em sua forma como em seu conteúdo, no documentário Visages Villages, de 2017, dirigido por dois expoentes do cinema e da fotografia contemporânea: a icônica Agnès Varda e o fotógrafo JR.
O documentário metalinguístico, isto é, quando o filme fala de si, incorpora em seu procedimento o próprio movimento de construção narrativa. Nesse sentido, o que encontramos quando assistimos à Visages Villages é um filme que investiga o seu próprio “fazer-se”, coloca a questão processual da arte em evidência ao se debruçar na maneira como ambos artistas exploram as diversas dimensões da imagem, tanto estática (fotográfica) como em movimento (audiovisual).
Duas personalidades distintas, não só em seu fazer artístico, mas pertencentes a momentos diferentes da história da arte; Agnès Varda, cineasta e fotógrafa de 89 anos precedeu a Nouvelle Vague Francesa e o fotógrafo e artista plástico urbano JR, 34 anos conhecido pelas suas galerias à céu aberto unem-se para viajar pelo interior francês retratando a população que vive fora dos grandes centros urbanos onde a arte institucional não existe. A frase proferida por Agnès Varda “encontrar novos rostos e fotografá-los para que não caiam no buraco da memória” parece sintetizar a obra como um todo.
Percorrendo as estradas de norte a sul, leste a oeste em um caminhão fotográfico, os artistas retratam a vida dos moradores desses vilarejos reivindicando o poder da imaginação e da arte como propulsores da vida cotidiana. Ao se alocarem nas pequenas cidades, o objetivo é um só: escutar as histórias individuais dos habitantes para em seguida fotografá-los e exibi-los em imensas fotografias coladas nas fachadas de suas casas, estabelecimentos, terrenos ociosos etc. O diálogo entre arte e urbanidade é posto em evidência uma vez que os artistas recorrem à própria cidade para promover o seu discurso.
Com belos cenários e fotografias sublimes, o filme conta com um forte teor artístico (isso fica evidente nas referências a Jean Luc Godard, Cartier-Bresson ou Luís Buenel) e se destaca na categoria documentário ao utilizar uma linguagem característica de nosso tempo: o veloz, o efêmero, os selfies e o pop. A cena mais emblemática é a corrida de cadeira de rodas em que JR empurra Agnès Varda por um passeio em uma das galerias do Louvre enquanto a mesma cita diversos nomes consagrados da história da arte. Ainda, algumas sequências tocam em assuntos pertinentes às pautas contemporâneas como a questão da gentrificação, a relação centro/periferia, feminismo e as greves operárias o que confere complexidade ao documentário, porém de uma forma leve.
Vencedor do prêmio Cannes 2017 na categoria “documentário” os artistas nos entregam um filme irônico, brilhante e espontâneo onde o que prevalece é a experiência, o processo, o caminho a ser percorrido a um destino em aberto em oposição ao resultado final e à obra acabada.