Foi-se o tempo em que animação era só coisa de criança. Já faz alguns bons anos que os diretores de filmes animados passaram a inserir em suas produções piadas e mensagens tanto para o público infantil quanto para os adultos. Diante desse maior interesse pelo gênero, os grandes estúdios foram aos poucos abordando temas cada vez mais relevantes. Olhemos por exemplo a Disney: em 2009 (após uma longa espera) conhecemos Tiana, a protagonista negra de A Princesa e o Sapo. Em 2013, o grande sucesso de Frozen: Uma Aventura Congelante mostrou que um gesto de amor verdadeiro não precisa ser romântico, mas sim fraternal. Já em Moana: Um Mar de Aventuras, o estúdio inflou em garotas do mundo todo o mesmo espírito aventureiro de sua princesa havaiana.

Nessa ebulição criativa, até os vilões dos games ganharam vez. Com Detona Ralph, de 2012, fomos apresentados ao protagonista homônimo, que estava cansado de ser o mal elemento em seu jogo. A fim de mudar de vida ele visita outros mundos dentro do fliperama onde mora e acaba conhecendo Vanellope, uma personagem do jogo Corrida Doce. Dando continuidade a essa narrativa, chega agora aos cinemas WiFi Ralph: Quebrando a Internet. Ambientado seis anos após os eventos do primeiro filme, Ralph e Vanellope descobrem que o arcade ganhou uma conexão wi-fi. Após um incidente com o jogo da corredora, a dupla precisa entrar no vasto e novo mundo da internet para impedir que a casa dela seja destruída.

Assim como no primeiro longa, aqui temos uma grande quantidade de menções ao mundo dos games. Contudo, o número de conexões se torna mesmo abundante quando os personagens entram na internet. É quase impossível conseguir captar todas as referências que surgem na tela, sejam elas relacionadas às redes sociais, às grandes empresas online ou ao universo Disney. O comportamento dos usuários da rede também é reproduzido com perfeição e mostra os hábitos aparentemente aleatórios das pessoas enquanto navegam de um site a outro. Como Ralph e Vanellope não possuem qualquer conhecimento desse universo, seu primeiro contato com a internet é hilário e rende situações verdadeiramente cômicas, como o leilão do e-bay de que eles participam ou os sucessos virais que criam em uma plataforma de vídeos.

Os diretores Phil Johnston e Rich Moore trabalharam de maneira afinada com a equipe de roteiristas e, juntos, criaram um filme que navega bem entre os vários universos da Disney e de outras marcas como Marvel e Pixar. Por isso, um dos momentos mais icônicos acontece quando Venellope se encontra com as outras princesas. Além de mexer com o saudosismo dos fãs, intensificado pelas vozes da dublagem original, ver as princesas discutindo temas atuais como empoderamento feminino e masculinidade frágil é de aquecer o coração. A sequência como um todo é sensacional e consegue atualizar os contos de fadas, sem que as personagens que tanto amamos percam seu encanto.

Com muita eficiência, WiFi Ralph auxilia a quebrar outros preconceitos como a falácia de que mulheres dirigem mal. Tanto Vanellope quanto Shank, líder do game online Corrida do Caos, conduzem seus veículos com extrema perícia e competência. O título mostra ainda que grandes empresas podem e devem ser geridas por mulheres, como é o caso da personagem Yesss, que comanda o BuzzzTube. A produção também reforça as consequências ruins que surgem quando os homens ignoram sua própria vulnerabilidade e insegurança. Além de tudo isso, aborda as implicações do discurso de ódio que impera nos comentários da internet. Esse comportamento tóxico compromete a saúde psicológica de inúmeras pessoas e colabora para o aumento das taxas de depressão e suicídio.

Quando voltamos nosso olhar para os protagonistas, é possível notar que estes são bem construídos e possuem conflitos sólidos. Ao contrário do primeiro filme, aqui Ralph e Vanellope possuem motivações opostas. Enquanto ele não quer mudar e gosta da rotina, ela anseia por conhecer novos mundos e viver aventuras diferentes. Essa rixa primordial gera o conflito que permeia toda a relação dos dois e abre portas para uma das maiores questões do filme: os relacionamentos abusivos.

Por não querer que as coisas mudem, Ralph acaba adquirindo um comportamento carente e grudento com a Vanellope. Ela, por outro lado, se sente dividida entre a chance de viver um sonho e a vida rotineira, onde reside sua amizade com Ralph. Essas falhas de comunicação geram um relacionamento nocivo que causa impactos negativos na vida dos dois. Após a resolução deste impasse, o filme nos revela uma verdadeira mensagem de amizade. Para usufruirmos do que este sentimento tem de melhor, é preciso dar espaço ao outro, respeitar suas decisões e apoiá-lo nas mudanças que ele quiser viver. Amizade não se define por distância física, mas sim por proximidade de alma.

Aliada à discussão de temas tão ricos, o filme possui uma técnica que impressiona. O design dos novos personagens é condizente com suas personalidades e a animação como um todo é primorosa. Visualmente, é agradável notar que os internautas possuem um traço diferente dos habitantes nativos da rede e que personagens de jogos distintos se movimentam de maneira característica.

Diante de tantos méritos, WiFi Ralph se destaca por conseguir manter o sorriso no rosto de adultos e crianças por quase duas horas. Além de se destacar nos aspectos técnicos, o longa merece todos os méritos por ser uma obra tão atual e necessária, que ajuda a quebrar preconceitos na cabeça dos grandes e ensina os pequenos a pensarem em assuntos chave para sua geração. Definitivamente, as animações não são mais só coisa de criança.

WiFi Ralph: Quebrando a Internet

 

Ano: 2018
Direção: Phil Johnston, Rich Moore
Roteiro: Phil Johnston, Pamela Ribon
Elenco principal: John C. Reilly, Sarah Silverman, Gal Gadot, Taraji P. Henson, Jane Lynch, Jack McBrayer
Gênero: ​Animação, Aventura, Comédia
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 4,5