O cinema recente parece ter se reaproximado da música e, sobretudo, de seus músicos. Desde 2018 tivemos um número considerável de cinebiografias, entre elas Bohemian Rhapsody (Queens), Rocketman (Sir Elton John) e Simonal (Wilson Simonal), isso sem contar o ficcional Nasce uma Estrela. Seguindo essa corrente, agora é a vez de Yesterday. Apesar de não abordar os percalços da vida dos Beatles, o longa é uma grande homenagem à banda surgida na pequena Liverpool.

O filme em si responde à questão: como seria o mundo se os Beatles nunca tivessem existido? A trama acompanha Jack (Himesh Patel), um músico amador que tenta alcançar o sucesso. Devido a uma mancha solar, a Terra sofre um apagão de 12 segundos. Ao voltar desse blackout, Jack parece ser a única pessoa que conhece as músicas dos Beatles. Conforme a história evolui entendemos que a movimentação da estrela transformou a realidade do planeta e várias coisas simplesmente deixaram de existir. Entre elas os Beatles. Jack então usa esse cenário a seu favor e passa a tocar as músicas da banda como se fossem suas.

A partir dessa premissa interessante o diretor Danny Boyle conduz a história de maneira tradicional. O início, um tanto apressado, abre espaço para um desenvolvimento divertido e carismático, ainda que muito disso se deva à qualidade das músicas dos Beatles.

O tom convencional de Boyle se estende também para a construção dos personagens. O jovem Jack trilha a clássica jornada do herói, que começa no anonimato e deságua na fama. Nesse processo ele passa por todas as situações esperadas: o descrédito dos pais, as dúvidas sobre a própria capacidade e a dificuldade em se declarar para a garota que ama. Em seu arco narrativo, Jack também precisa enfrentar um conflito interno: ele realmente tem talento ou seu sucesso é fruto do trabalho dos Beatles?

Apesar de já conhecido, Jack é um personagem com potencial. Contudo, Himesh parece intimidado com a responsabilidade do papel. O ator, em seu primeiro filme, não dispõe da desenvoltura necessária para atingir certas cargas dramáticas. Em consequência o público demora a estabelecer uma conexão com Jack, o que compromete a produção.

Essa falha é compensada pelo elenco de apoio. Ellie (Lilly James), é o interesse romântico de Jack. Diferente de Patel, Lily entrega uma atuação carismática que conquista o espectador de imediato. Colabora para isso o fato de Ellie não ser uma manic pixie dream girl. Entre outras decisões sensatas, ela decide permanecer fiel à sua carreira ao invés de correr atrás de Jack e sua onda de sucesso. As risadas, por sua vez, são garantidas por Debra Hammer (Kate McKinnon), produtora de Jack, e Ed Sheeran, que interpreta ele mesmo no longa.

Além de divertido, Yesterday também possui um bom ritmo. A edição é feita na batida das músicas, o que confere uma cadência agradável. Os letreiros, elementos tradicionais que indicam a cidade em que a ação se passa, aqui são interativos e agregam dinamismo às transições entre as sequências. Já a fotografia alterna os tons pasteis, quando se passa na Inglaterra, com as cores neons, quando Jack atinge o estrelato pop. Tudo isso muito permeado por reflexos em vidros ou espelhos, reforçando a ideia de que a história se passa em uma realidade alternativa.

Vale notar ainda que a produção não hesita em levantar questionamentos relacionados à indústria da música. Em tempos de carreiras meteóricas e cultos à imagem dos cantores, as gravadoras ainda conseguem reconhecer a genialidade quando ela aparece? O filme nos leva a crer que sim, porém com ressalvas. Caso surgissem hoje, os Beatles ainda fariam sucesso, pois a mensagem de suas músicas é atemporal e seu talento inegável. Contudo, o lirismo e a poesia de suas letras estariam comprometidos. Afinal, a indústria não admitira títulos tão longos como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

A certa altura, um dos personagens afirma que “um mundo sem os Beatles é um mundo infinitamente pior”. O longa deixa isso bem claro. Nossas vidas não seriam as mesmas sem Hey Jude, Let it Be, Eleanor Rigby e tantos outros sucessos. Yesterday cumpre seu objetivo ao reforçar essa mensagem e homenagear a maior banda que já existiu. É um divertido tributo à obra de John, Paul, George e Ringo.