Por Luciana Ramos
Caru Alves de Souza e Ruy Ricardo Dias, diretora e ator do longa De Menor, que estreou em circuito nacional no dia 04 de setembro, falaram ao Cinemascope o que os move como artistas, as escolhas estéticas do filme, a situação do menor infrator no Brasil e o panorama do cinema nacional na atualidade.
Cinemascope: O seu filme explora a dificuldade da protagonista em observar no ambiente familiar a repetição do que acompanha diariamente no seu trabalho. Gostaria que falasse sobre o tema que amarra toda a trama, o menor infrator.
Caru Alves de Souza: Exato, gosto sempre de lembrar que a história pauta-se mesmo nesses dois personagens e na dificuldade de um perceber o outro; por conta disso, a vida da Helena entra em ruína. Nunca tive a intenção de oferecer um manifesto sobre o tema do menor infrator, mas é claro que quis criar um diálogo sobre o assunto. Este se cria exatamente a partir do momento em que o juiz, o promotor e a defensora mudam radicalmente de atitude quando o menor julgado não é um adolescente pobre negro, mas sim branco.
C.S.: Como se deu o seu envolvimento nesse filme? Qual o seu interesse enquanto ator de participar dessa obra?
Ruy Ricardo Diaz: Eu fui convidado pela própria Caru e confesso que fiquei muito interessado por alguns motivos. Em primeiro lugar, pela temática, por ser um assunto presente, atual, necessário, que precisa ser debatido. Em segundo lugar, pelo fato de ter começado a fazer cinema há pouco tempo e, até então, ter interpretado personagens épicos, relacionados a história do Brasil. Então, essa foi a oportunidade de interpretar um papel mais contemporâneo, uma figura do nosso dia-a-dia.
C.S.: Como se deu a escolha de o longa se passar em Santos? Como foi filmar em Santos? No que isso influenciou no resultado final da obra?
C.A.S.: A ideia de se passar em Santos veio a partir dos relatos de uma prima minha que atua como defensora pública lá e me contava os casos relacionados a menores infratores, o que derivou na vontade de contar essa história. Na minha visão, existia também a necessidade de se passar em um lugar pequeno por conta da intimidade que a história demandava. Era interessante que o juiz conhecesse o menor julgado de outras ocasiões, que existisse uma certa proximidade entre o mesmo e o promotor e o defensor, exatamente para criar também uma situação mais opressora para a personagem, já que ela tem que enfrentar os próprios colegas para defender alguém quem é próximo a ela. Fora isso, a praia de Santos foi utilizada para construir planos mais simbólicos, como quando ela é filmada sozinha com o mar e este representa a solidão dela.
R.R.D.: Foi muito bacana filmar lá. É Sempre interessante quando você utiliza um lugar como um símbolo de uma discussão maior. É como aquela brincadeira na escrita do Gabriel Garcia Márquez: você tem uma aldeia que consegue exemplificar o mundo inteiro e acho que, dadas as devidas proporções, Santos se tornou um pouco isso. É um pequeno universo onde, a partir dele, o espectador consegue compreender tudo o que se passa no nosso país.
C.S.: Existe uma tradição no Brasil de filmes com cunho social, que levantam e debatem problemas relevantes na nossa sociedade. De Menor, de certa forma, se encaixa nesse âmbito por pautar sua trama na questão do menor. Qual você acredita ser a importância de realizar obras como essa?
C. A.S: Existe mesmo essa tradição, em especial quando se fala de cineastas de classe média que realizam cinema social a partir da visão particular deles, de classe. Eu acho que o mais importante quando você se propõe a fazer um filme que de alguma maneira discuta alguma questão social é fazer um contraponto a uma ideia estabelecida sobre o assunto, principalmente se esta é fruto de alguma visão injusta. É crucial, portanto, neste processo, ter o cuidado para não reforçar estereótipos negativos, pois senão toda a boa intenção por trás da obra vai por água abaixo.
R.R.D.: A arte é uma via de várias possiblidades. Noto que existe uma preocupação artística em debater os problemas da realidade que nos cerca desde sempre, mas esse movimento está ganhando cada vez mais força nas artes, não só no Brasil como em todo o mundo. Eu acho isso muito importante e gosto particularmente quando o trabalho consegue juntar a questão da discussão social com uma construção artística, sem dar tudo mastigado, de forma que o espectador construa o pensamento na medida em que as ações evoluem no filme, até para que a obra não se torne excessivamente planfetária. Eu acho que De Menor tem essa qualidade.
C.S.: Gostaria que expusesse a sua visão sobre a questão do menor infrator no Brasil.
R.R.D.: Acho que antes de se debater a questão da maioridade penal ou sua possível redução, tem que se identificar quais são os objetivos da sociedade em pôr o individuo em reclusão, seja quem for. Nós queremos deixá-lo trancado lá para que não cometa mais crimes, ou seja, ele não é mais objeto de ressocialização ou queremos que ele seja reintroduzido na sociedade? Se for o último caso, então teremos que parar e pensar em nos sistemas judicial e penitenciário do país. O que precisa ser feito? Não é só construir novas cadeias ou fundações de internação de menores. Se um adolescente, cuja formação da personalidade ainda não está finalizada comete um delito, como acreditar que ele não está mais apto a viver socialmente? Acho também que não dá para aplicar o mesmo peso e a mesma medida para todos os casos, tudo tem que ser analisado. De toda maneira, a punição é necessária. O problema é como essa penalização é feita no Brasil hoje em dia.
C.S.: O silêncio se faz presente em pontos cruciais no seu filme. Alguns momentos de tensão são apenas mostrados visualmente. Como se deu essa escolha estética?
C.A.S: Isso foi trabalhado desde sempre, do roteiro à montagem. Eu sempre achei que a relação entre o Caio e a Helena deveria ser silenciosa. Eles são tão unidos que não precisam de palavras. Ao contrário, o ambiente do fórum foi composto como contraponto e, portanto, é inteiramente falado.
C.S.: O que te move como artista? O que é determinante para você na escolha de projetos?
R.R.D.: Primeiro, preciso me identificar com aquilo que está sendo tratado, tenho que olhar a obra, seja a peça ou o filme, e ter desejo de fazer. Tem que ser algo que me provoque, que me desafie como ator. Acho muito importante também a sua qualidade artística, que ele dialogue com quem vai assistir e que não seja banal.
C.S.: Como você enxerga o cinema nacional hoje? Há um maior volume de produção, mas muitos dos filmes possuem perfil estritamente comercial. Qual é a sua opinião sobre o assunto?
C.A.S.: Eu acredito que se o cineasta faz uso de recursos públicos, ele deve realizar algum filme que gere algum tipo de reflexão, de contraponto, pois estes são projetos que jamais seriam patrocinados pela iniciativa privada. Da mesma forma, creio que o financiamento desse tipo de filme deveria ser privilegiado; o que se vê, no entanto, é o contrário: grande parte dos recursos públicos vai para obras que além de não provocar nenhum tipo de debate, reforçam estereótipos. Eu particularmente acho isso muito complicado, pois o resultado é a predominância de só um tipo de longa nacional nos cinemas quando temos estéticas e temas tão vastos.
C.S.: Ainda é muito difícil fazer cinema no Brasil?
C.A.S.: Acho que a situação melhorou muito, mas ainda há muito o que melhorar. Conheço muitos cineastas bom que não são contemplados por editais, exatamente pelo que falei agora há pouco, pelo tipo de filme proposto por eles. Por serem mais críticos, oferecem maior risco, por fazerem contraponto ao que está estabelecido. Considero isso prejudicial ao cinema nacional e, portanto, algo que deve ser repensado e reformado.
C.S.: Quais são os seus projetos futuros?
C.A.S.: Tenho vários projetos em andamento, mas o que mais desejo agora é me debruçar sobre o meu próximo longa, Bagdá.