Por Joyce Pais

“É um duro trabalho esse de morrer quando se ama fortemente a vida”

Tivemos o prazer de conversar com Lúcia Murat (A Memória que me contam), diretora do filme Em três atos, que contou como foi o desenvolvimento de seu novo longa, sua abordagem de temáticas como envelhecimento, morte e perda. De forma delicada e poética, o filme contrapõe dança, através de uma bailarina de 85 anos e uma jovem bailarina em seu auge, com diálogos inspirados nos escritos de Simone de Beauvoir sobre a velhice e a morte. Protagonizado por Angel Viana, um dos ícones da dança contemporânea nacional, a jovem dançarina Maria Alice Poppe, Nathalia Timberg, no papel da intelectual aos 80 anos que reflete sobre a velhice e a morte hoje, e essa mesma intelectual, aos 45 anos, que vive a dor da morte da mãe, interpretada por Andrea Beltrão.

Cinemascope: O filme propõe uma reflexão muito profunda sobre o processo do envelhecimento, passagem do tempo e a morte. Como foi o trabalho de inserção da dança – e das artistas convidadas – , e do trabalho da Simone de Beauvoir na composição da estética e linguagem do filme?

Lúcia Murat: O filme começou pela dança. Eu queria fazer um filme  sobre o tema do envelhecimento, o que era bastante genérico e não sabia como começar. Quando vi o espetáculo do Joao Saldanha com  Angel Vianna e Maria Alice Poppe, mesmo que não tenha sido essa a intenção deles, pensei que era uma base ideal para o filme. O contraponto entre aqueles dois corpos magníficos, um com 85 anos, e o outro no auge do vigor físico, me encantou.  Pensei então em trabalhar com esse espetáculo, desconstruindo-o para o filme . Ao mesmo tempo, a idéia desde o início era  mesclar esse espetáculo com textos da Simone de Beauvoir sobre a velhice. Simone de Beauvoir me acompanhou a vida inteira. Desde o “ Segundo Sexo”, livro de cabeceira da minha geração.  Mas foi  durante a pesquisa em Paris sobre os documentários e entrevistas que ela deu, que me aconselharam esse outro livro: “Uma morte muito doce”, que Simone de Beavoir escreveu sobre a morte da mãe. Nesse momento, decidi integrá-lo no roteiro, e criar o segundo personagem mais jovem, o da intelectual que sofre a morte da mãe. Com isso , passei a ter os espelhos tanto na dança quanto na palavra. Foi um processo longo , de muitas descobertas.

Cinemascope: Como se deu o envolvimento da Andrea Beltrão e Nathalia Timberg no filme?

Lúcia Murat: Como disse, fazer o filme foi um processo longo e por etapas. Quando consegui a aprovação da editora Gallimard e da herdeira de Simone de Beauvoir para filmar., a partir de um roteiro que foi aprovado por eles, pensei que precisava de  duas grandes atrizes, pois o desafio de interpretar textos literários era imenso. Nathalia foi uma primeira escolha imediata. Ela também era uma apaixonada por Simone de Beauvoir e a escolha de Andrea se deu pela sua capacidade de interpretação. Não me importava a semelhança física, pois o filme é um ensaio e trabalhávamos com metáforas.

Cinemascope: Você teve alguma dificuldade para viabilizar o projeto? Como foi a escolha das locações?

Lúcia Murat: A locação principal foi uma proposta do diretor de fotografia , Dudu Miranda.  Íamos filmar em 35mm (provavelmente um dos últimos filmes feito em 35mm no país) e ele pensou num lugar que pudesse ter um fundo interessante e sugeriu o ultimo andar da Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Eu me apaixonei pelo espaço porque dava ao filma uma atemporalidade que me interessava.

Cinemascope: Vemos com menos frequência em cartaz nos cinemas brasileiros (e acredito que no mundial também) filmes  com uma abordagem mais intimista.  Ao apostar em “Em três atos”, o que você espera da recepção do público?

Lúcia Murat: Eu me surpreendi com a acolhida do filme, tanto nos festivais quanto nas pré-estreias. Pensava que ia ser mais difícil. E me encantou particularmente  a reação das  pessoas mais jovens, que encararam o filme como mais um aprofundamento da luta pelas mulheres que tem tomado as ruas .

Cinemascope pergunta: se você pudesse ser a personagem de um filme, qual seria?

Lúcia Murat: Anais Nin. Mistura de vanguarda e anos 20.