Por Joyce Pais

All About Eve, em 1950, é uma das resultantes do domínio narrativo de Mankiewicz. Nele, os narradores trocam seus papéis, num sistema tão complexo quanto o das relações entre os personagens e que vem interferir nele. Addison de Witt, o critico que faz reputações e carreiras é aí o anti- Praetorious, o demiurgo negativo cujo ponto de vista não ilusório revela o dos outros personagens (VEILLON, 1993).

O filme A Malvada é primeiro trabalho notável de Marilyn. Não por sua participação, que se limita a duas cenas, ou por seu personagem, uma loira burra e aspirante à atriz, mas sim à magnitude que a obra fílmica representou para a história cinematográfica, isso se deveu por fatores que serão desenvolvidos no decorrer da análise.

A narrativa do longa-metragem é contada em tempo psicológico e utiliza o recurso da narração em off feita por Adisson DeWitt, um crítico e comentarista de teatro da época. Tendo em sua direção Joseph L. Mankiewicz, o filme contempla características típicas de seu trabalho, ou seja, joga sutilmente com os paradoxos da ficção e as verdades que dela podem se desprender. Seus personagens, como no caso de Margo Channing (Bette Davis), muitas vezes se situam no limite de si mesmos, num sistema de respresentações no qual se expõem e, ao mesmo tempo ironizam o mundo que os cercam.

“As mulheres são os seres mais contraditórios”, por meio dessa declaração, Mankiewicz manifesta a fascinação e ao mesmo tempo mistério que o universo feminino oferece e justifica as escolhas de mulheres nos principais papéis de seus filmes, Margo Channing é uma delas. Na trama, a conceituada atriz da Broadway está passando por um processo de envelhecimento e tem sua vida infiltrada por Eve Harrington (Anne Baxter), uma jovem fã que acaba ameaçando a sua carreira e relacionamentos pessoais.

A história contada em A Malvada é a da própria indústria cinematográfica e, por isso, atemporal. Alguns fatores característicos da estrutura hollywoodiana são levantados e questionados; o movimento cíclico de substituição de atrizes, sua efemeridade, bem como o sistema de construção destas no cenário artístico e a competitividade feminina em um ambiente no qual a perda de valor perante o interesse do público é constante.

Em diversos momentos do filme é possível estabelecer algumas similaridades do que é mostrado com a história e trajetória pessoal da Marilyn. Um deles é no discurso de entrega de um prêmio para Eve, pelo presidente da academia de dramaturgia onde é dito: “todos sabem tudo sobre ela, o que come, veste, o que faz, quem a conhece…”, aqui, parece existir uma descrição da própria atriz. Outro momento vale ser citado: “Tantos me conhecem. Quem dera eu também. Gostaria que me dissessem quem sou”, dessa maneira, Margo Channing deixa transparecer seu conflito interior, e que parece ser um fator comum à grandes estrelas, já que afetava de maneira intransigente a vida de Marilyn.

Tal relação de semelhança também pode ser vista em algumas frases faladas pela madura e determinada Margo como: “todas devemos seguir uma carreira: a de ser mulher”. Sabe-se que Marilyn passou por diversas crises conjugais, devido às impossibilidades que sua vida profissional trazia a vida pessoal, desse modo, o papel de Channing atua, por vezes, como um espelho da realidade vivida por Monroe.

É interessante acrescentar que, na época, Bette Davis apresentava um complexo de idade tanto na tela do cinema em A Malvada quanto na vida real. Relegada a papéis de megera ou mulher mais velha, não se destacando por atributos físicos, a diva se encontrava “na fase final” de uma carreira pautada pelo glamour e pela beleza, onde na mesma época outra estava se inserindo, mas que, no futuro, manifestaria as mesmas preocupações.

Essa realidade “a flor da pele” revelada por Addison expõe também a situação na qual se encontrava o cinema na década de 1950. A oposição teatro X cinema é colocada na obra de modo que sob o segundo recaísse um olhar pejorativo. O antagonismo é situado, na medida em que, naquele contexto, a arte também estava versus o comercial, evidenciada na transição dos renomados diretores, produtores e roteiristas para o novo centro de produções artísticas de maior apelo popular e, portanto, mais rentável, Hollywood.

A genialidade de All about Eve reside na maneira pela qual temas relevantes são trazidos a tona e que, indiferente à época ou sociedade, eles fazem sentido. Acredito estar diante de um dos maiores e mais inteligentes clássicos da história do cinema mundial.

Veja o trailer:

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