Por Joyce Pais

O ano de 1962 foi realmente definitivo para Marilyn Monroe. Não somente por nele ter vivido seus últimos momentos e dias de vida, mas, sobretudo pela intensidade das mudanças que lhe ocorreram nesses meses derradeiros, conferindo ao capítulo final de sua história momentos infindáveis.

Apesar dos boatos de que estaria perdendo seu posto de sex-symbol para a francesa Brigitte Bardot e a despeito dos que acreditavam na queda de sua popularidade e influência, em fevereiro deste ano ela ganhou um Globo de Ouro na categoria “Atriz Favorita”.

Something´s Got to Give talvez seja um dos filmes inacabados mais famosos da história do cinema e para entender melhor o papel que ele teve na vida de Marilyn, é necessário começar falando do contexto em que atriz e os estúdios viviam à época.

Quando foi decidido fazer Something´s Got to Give, um remake de Minha Esposa Favorita (1940), a situação da Fox era muito delicada, para não dizer desesperadora. Com as filmagens de Cleópatra em andamento em Roma, o estúdio amargava uma dívida absurda e complicava exponencialmente sua situação – atrasos, doenças de Elizabeth Taylor (a primeira atriz a ganhar 1 milhão em um filme), cenários megalômanos e um orçamento extrapolado – fizeram com que os executivos logo pensassem em uma saída que pudesse dar conta de salvar as finanças da Fox.

Cinemascope - Something´got to give

Foi então que eles resolveram cobrar um filme que Marilyn ainda devia, de acordo com um contrato que datava 1956. Um chamariz de publicidade, público e a certeza de uma receita bem gorda, Marilyn reinou absoluta durante o período em que fazia parte do casting da Fox, sendo sua maior estrela, haja visto o sucesso estrondoso de longas como Os Homens Preferem as Loiras (1953), Como Agarrar um Milionário (1953) e O Pecado Mora ao Lado (1955). O plano parecia perfeito, se não fosse as imprevisibilidades e o caos que caracterizaram esse longo, doloroso e inacabado processo de filmagem.

Enquanto isso, ­certo de que seria um grande passo para a melhora na segurança e autoestima da atriz, o psiquiatra Ralph Greenson aconselhou Marilyn a comprar uma casa. Com a ajuda da governanta Eunice Murray, ela se mudou para a Helena Drive, Brentwood acreditando que naquele lugar poderia dar os primeiros passos rumo a uma nova vida. Apesar disso, seus dias turbulentos e inconstantes ainda a atormentavam, resultando na imersão profunda do consumo de remédios e bebida.

O filme conta a história de Ellen Arden, uma fotógrafa, mãe de duas crianças, que se perdeu no mar do Pacífico. Anos depois, ela foi declarada legalmente morta e seu marido Nick, se casou novamente; ele e sua nova esposa, Bianca, estão em lua de mel quando Ellen, que ficou perdida numa ilha deserta por cinco anos, é resgatada e finalmente volta para casa, o que perturba Nick, que deve lidar com o fato de estar casado com duas mulheres.

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Muitos fatores influenciaram o péssimo clima nos bastidores do longa. Sabendo que Cid Charisse (Cantando na Chuva; 1952) viveria o papel de Bianca, a atual esposa de Nick (Dean Martin), Marilyn passou a “implicar” com coisas que iam desde o enchimento para os seios que Charisse usaria até a tonalidade de loiro usado em seu cabelo. Para isso, ela mantinha no set, informantes que a atualizavam de tudo, mesmo que não estava presente. Como nos seus filmes anteriores, a presença de sua coach Paula Strasberg perturbava a todos, desafiava a autoridade do diretor George Cukor (Adorável Pecadora; 1960) e o pior: amplificava a neurose e perfeccionismo de Marilyn que, em 1961, admitiu em entrevista: “eu fico nervosa antes de uma cena, e prefiro desagradar às pessoas que estão atrás da tela do que ao público que vai ao cinema para me ver”.

Para chegar na versão final do texto, assinado por Walter Bernstein, cinco roteiristas trabalharam no argumento e o filme já havia estourado o orçamento previsto antes mesmo das filmagens iniciarem. A fim de tentar conter maiores catástrofes, o estúdio manteve três médicos – otorrinolaringologista, um clínico geral e um psiquiatra – no set todos os dias para cuidar de Marilyn, o que não evitou que em 23 de abril, no primeiro dia de produção, ela ligasse para o produtor Henry Weinstein avisando que não apareceria por conta de uma sinusite.

Com o decorrer dos dias, todos notaram que o filme dificilmente seria concluído e o mal estar estava instaurado. No dia 10 de abril, a atriz fez um teste de figurino, cabelo e maquiagem, ela estava brilhante e surpreendeu a todos aparecendo 10 quilos mais magra e em ótima forma. Com 35 anos de idade, Marilyn surgiu estonteante e irresistível, para provar as criações do figurinista Jean Louis.

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Apesar da animação que demonstrou em dado momento, Marilyn voltou a faltar nas gravações. Sendo assim, Cukor decidiu rodar as cenas que não dependiam diretamente da presença dela, mas em 8 de maio a produção parou pois já não haviam mais cenas a serem filmadas sem a atriz. No dia 24 de abril, o xá do Irã e sua esposa, a imperatriz Farah Pahlavi, estavam em turnê pelos Estados Unidos e queriam conhecer a maior estrela do cinema, Marilyn Monroe, mas ela esteve ausente quando eles visitaram o set de Something´s Got to Give, sob a desculpe de que “não sabia qual ligação eles tinham com Israel”.

Desafiando a proibição feita pelo estúdio, Marilyn viajou com seu ex-sogro, Isidore Miller, dia 17 de maio a Nova York para cantar na festa de aniversário do presidente John F. Kennedy, na que se tornaria uma de suas aparições mais emblemáticas e inesquecíveis.(No clipe da música National Anthem, Lana Del Rey faz uma homenagem à atriz recriando a cena do Happy Birthday mais sugestivo e sensual da história).

Cinemascope - Something´s got to give

Quando retornou a Los Angeles, Marilyn ficou sabendo que seu coprotagonista, Dean Martin, estava resfriado, decidiu então ficar mais uma semana em casa, alegando que poderia pegar o vírus e piorar sua saúde, que já era frágil. Ao voltar para o set ela faria a famosa cena da nudez na piscina – feito inédito no cinema norte-americano. Originalmente, estava previsto que ela usasse uma segunda pele transparente capaz de dar a impressão de que estava realmente nua, mas para a surpresa de todos (e num golpe de publicidade muito perspicaz), Marilyn optou por fazer a cena sem roupa alguma e convocou a presença de três fotógrafos – Larry Schiller, William Red Woodfield e Jimmy Mitchell – para ter a certeza de que tais imagens iriam corer o mundo. E correram. Schiller comentou anos depois que Marilyn estava decidida a “expulsar Elizabeth Taylor da capa de todas as revistas”; durante a semana, Monroe estampou a capa de 72 revistas, de 32 países, sendo as americanas Saga e Life pagaram a quantia de $10 mil pelos direitos das fotografias.

No dia de seu último aniversário, 1 de junho de 1962, ela fez 36 anos e comemorou com um modesta festa no set de Something´s Got to Give, depois disso seguiu com o ator Wally Cox para o Dodger Stadium, onde aconteceria um evento beneficente; ela estava acompanhada de seu ex-marido, Joe DiMaggio, e do filme de Dean Martin, Dean Paul Martin.

Cinemascope- Something´got to give Marilyn Monroe birthday

Dia 4 de junho, Weinstein recebeu uma ligação da atriz dizendo que não iria trabalhar pois sua sinusite havia piorado. Quando voltou ao set, seu estado era lastimável e não pode gravar. Dessa forma, a Fox decidiu demiti-la dia 8 de junho e a processou em 500 mil dólares, já que na visão do estúdio ela só havia os lesado. Quando soube da notícia, Marilyn se apressou em tentar reverter a situação, entrando em contato com o elenco para pedir desculpas e manifestar sua intenção em fazer com que as coisas dessem certo, deu uma série de entrevistas e sessões de fotos promocionais, mostrando que sabia muito bem como manipular as situações ao seu favor e que compreendia, como ninguém, como funcionava a indústria.

A Fox se apressou em achar uma substituta para Marilyn, a escolhida foi Lee Ramick, porém Dean Martin, por cláusula contratual, deveria aprovar sua coprotagonista e, nesse caso, sua resposta foi negativa, ele só continuaria na produção se fosse com Marilyn. Encurralados, a Fox foi obrigada a chamar a atriz de volta; dia 1 de agosto ela assinou um novo contrato, de um milhão de dólares (a princípio, ela ganharia 100 mil pelo filme), em contrapartida, ela deveria a Fox mais dois filmes. A atriz também exigiu que Cukor fosse substituído por Jean Negulesco, com quem trabalhou em Como Agarrar um Milionário, mas fatalmente as filmagens nunca foram retomadas, já que elas deveriam recomeçar em outubro e Marilyn Monroe faleceu dia 5 de agosto.

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Um ano depois, a Fox retomou o projeto do filme com o nome de Eu, Ela e a Outra (More Over, Darling), Michael Gordon na direção e Doris Day, James Garner e Polly Bergen no elenco. Lançado no natal de 1963, o filme aproveitou alguns cenários de Something´s Got to Give e Doris Day os figurinos e penteados bem parecidos com os usados por Marilyn. Neste mesmo ano, a Fox lançou um documentário intitulado Marilyn em que mostrava algumas cenas dela no filme inacabado e o público teve a chance de ver alguns trechos das gravações, até que em 1982, foram descobertos, ao acaso, oito caixas de filme em material bruto, totalizando mais ou menos nove horas de filmagens. O material esteve nos cofres da Fox durante anos e o ano de 1999 foi restaurado digitalmente pela Prometheus Entertainment, resultando em um minifilme de 37 minutos, incluídos no ótimo documentário Marilyn: Os Dias Finais.

Obs: Quem tiver interesse nesse período especifico da vida de Marilyn, sugiro que assista ao documentário já citado anteriormente, o Final Days, e leia o livro Marilyn Monroe – Os Últimos Anos (Keith Badman), que traz um panorama bem aprofundado dessa época e tem dois capítulos dedicados aos meses da gravação de Something´s Got to Give.

Veja o trailer: